A rocha
As vezes te olho procurando descobrir tua face.
Encontro desenhos disformes de formas quase exatas
Como estrelas com brilho ofuscante,
como um gigante com apenas um pé.
Converso contigo escutando teu silêncio.
Silencio e escuto o teu rugido de leão
Encontro outras formas:
Um rosto novo, um rosto velho de barba branca
Um corpo, um manto, um mantra
Agora a música toca e me confesso
Você se expõe e eu me oponho
Divergências de opiniões concretas se diluem na noite em véu
Se completam numa noite nua iluminada à luz de vela
Te olho da minha janela
Um feixe, um raio, um flash, uma luz
Tuas formas ainda inexatas aguçam minha curiosidade
Respondo, fale, me olhe, me enxergue
Me concentro nos teus olhos que agora vejo
Compreendo teus disfarces, tua fuga, teu fogo
Afago teus medos e me perco em meus desejos
Meus segredos são teus, quase teus
Me confesso a cada instante em busca de uma cura, de um sol, de uma lua, de uma casa, de um conforto, de um aconchego
Espalho meu sossego nos teus braços
Traço um novo desenho.
Teu rosto, minha cara
Meu amor banhado em mar, plantado em terra fértil, voa num vento brando de aroma doce, tem o tempero de ervas fortes, a pitada exata do sal.
Gosto do banho de beijos que hidrata minha pele.
Outro momento.
Agora ignoro teu chamado, o teu tom amável, teu carinho
Talvez outros carinhos me envolvam, talvez outros caminhos te dissolvam
Outro sonho ainda sem verdade
Penso em amenidades e mais uma vez me confesso
Me aprisiono e me liberto
Abstraio e traio o que há em mim
Multiplico teu cheiro, divido minha crença diante de Deus
Duvido de tudo, quase tudo e me enfeito de flores
Espio o futuro tentando encontrar meu destino
Aprendo, ensino
Banho de chuva minhas plantas, minha língua, meu álibi
Minha palavra se encanta perdendo-se no espaço
Acho. Acho e apenas acho o que me encontro sem dono
Talvez meu erro, meu acerto
Retorno
Te vejo em flor, em cor, em sol
Te sinto em dor, sem dó, tão só
Me torno imune, defensivo
Me torno impune, ofensivo
Vejo um rosto rude, sombrio cor de rocha
Vejo teu sorriso nas folhas que em ti brotam
Brindo comigo meu último gole, meu último trago
Já não vejo mais tuas cores, teu ombro, teu corpo, tuas formas
Já não ouço mais teus sonhos
Já não me oponho mais
Já não me confesso mais
Já não te esqueço mais...
16 de abril de 2002