Juliet
Eu, aqui, largado
papel, lápis, caneta e eu.
Debruçado na escrivaninha ensebada,
Perturbado com o silêncio
Que grita socorro em uma orquestra umbrosa.
Quantos dias mais? Quantas noites?
É a terceira pandemia
Em dez anos
Mal saímos da segunda e logo veio Juliet.
Mas este bem mais letal.
E as mesmas pessoas que bailavam
Nas ruas desprotegidas
Agora se amontoam em estado pestilento
Prestes a encontrar o incinerador.
Quando Juliet ceifou centenas de milhões
No velho continente
Pensávamos que aqui nada aconteceria
Mas aconteceu.
Vários pereceram em 48 horas
Milhares em 24 horas
Milhões em apenas 12.
Não dava nem para ir ao mercado,
Nem um trago na varanda
Nem um adeus aos nossos.
Eu, aqui
Estou começando a achar que sou imune
Depois que os quarenta e três companheiros de alojamento
Se foram em menos de uma semana.
Por que eu sobrei?
Se nem ao menos eu queria ter sobrado.
Não há o que fazer, nem aonde ir.
Morrer de fome ou de tédio deve ser pior,
do que me estrebuchar no chão
Soltando aquela gosma branca pela boca,
Até me afogar no próprio vômito azedo.
Afinal, se todos desejam uma última hora rápida
Ainda me chamam de privilegiado
Por estar aqui, ímpar, eremítico.
Amaço o papel e atiro no lixo
Errei como sempre.
Para quê escrever?
Se não haverá ninguém para ler.
Eu, aqui, sozinho!
Nem Juliet me quis.