antes as nuvens estavam aqui

as nuvens já estavam

antes aqui

antes das mãos enluvadas

do abraço que eu não posso te dar

antes dos corpos que ficam longe

antes dos bichos que comem as carnes das árvores

e dos grilos, agora eu sei que os grilos gritam

dos voos dos pássaros

das faces estupefatas dos cobradores de ônibus

da lavagem das calçadas

das folhas que farfalham

dos silêncio cada vez maior das noites

das ondas de cabos televisivos brilhando no infinito

dos verbos transitivos

daquilo que eu não posso falar

da minha falência, do eterno falhar

antes do meu nome e do teu nome

dos corpos achatados

da fúria do sexo

do oblongo

da corrida solitária a noite

do suicídio coletivo

do nariz escorrendo

dos banheiros lotados

do barulhos das pipocas a estourar no terceiro andar

antes das sombras que dela provêm

antes dos suores dos amores não realizados

antes e diante dos altares

antes dos altos e baixos

antes de todos os sonhos que ainda estão por sonhar

antes

antes das formas que são mimetizadas através dessa imagem

antes desse adeus

antes as nuvens estavam aqui

e eu não as podia olhar

Mauricio Miele
Enviado por Mauricio Miele em 15/04/2020
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