O jogador
Sou um jogador inveterado da loteria.
Bolo minhas estratégias, jogos assimétricos
números insuspeitos. Quase nunca ganho nada
e sigo de aposta em aposta.
Repito meus jogos e não consigo descrever
meu prazer ao fazer a conferência dos resultados
algo só comparado ao gozo
entre as coxas desejadas.
Costumo jogar às sextas,
às vezes às quartas
para quebrar o ritmo e ver se consigo
atalhar a Sorte na esquina
ou roubar a vez de alguém.
Tenho repetido estes mesmos 8 jogos
desde que Robert Johnson
jogou dados com o Diabo
na encruzilhada. Nunca foram sorteados,
mas a peleia estava pau a pau
embora meu bolso
sempre me dissesse o contrário.
Essa semana pensei em jogar na segunda
dia azarado, dia cinza, dia seco, frio,
e acabei por segurar meus cavalos.
Hoje de manhã só por falta do que fazer
fui conferir o resultado.
O infarto nunca foi tão nítido.
Suei frio. O corpo retesou.
Meu braço esquerdo ficou dormente
os nervos se contraíram num espasmo
de desespero e pavor: 15 dezenas.
As 15 dezenas nunca sorteadas juntas,
saíram e deixaram dois filhos da puta
com os sacos sem pelos de tanto coçarem
sem saber o que farão com a certeza
de que não morrerão com o dente na pedra
nem darão murro em ponta de faca:
750 mil para cada.
Se fizesse meus jogos
meu bolso teria abocanhado 500 mil
e enfim poderia dar adeus de mão fechada
a Tortuga e dizer: tchau cova de chacais.
E conheceria Santa Lúcia
conheceria a Irlanda, a Jamaica, a Áustria.
Tiraria habilitação. Compraria um fusca.
Compraria os livros de Thomas Bernhard.
Compraria uma pistola e enfiava o cano
na boca da vizinha só para ver o terror
em seus olhos e diria: berra agora
vaca dos infernos, berra que seu pulguento
pode cagar onde quiser, berra, berra
que vou manchar suas cortinas
com seus miolos podres.
Não foi dessa vez.
Escuto um riso, parece ser Tortuga.
No fim das contas, este lugar
sempre decide o resultado
sobre qualquer jogo.