SOBRE O DOCE NÃO FAZER NADA
Acredito em tanta coisa e nada de novo que eu aprenda muda quem em mim pensa acreditar. "O amor é lindo, a vida é bela" - se mudo ou se inverto os elementos da oração o belo amor não faz a vida mais linda e nada é acrescentado ao que seja amor e vida. Quando reafirmo aquilo que não sou ou o amor ou a vida continuam o mesmo já inventado porque nada mais ao que eu tinha aprendido acrescentei sentido.
É assim que acredito em vão: o doce não fazer nada está em não ter a mente carregada demais, pesada demais, cheia de mais pensamentos que não têm propósito ou foça para mudar o pequeno ou o grande do que está e gira à minha volta.
Fácil dizer, difícil viver.
É muito difícil esvaziar a mente para aproveitar as pequenas alegrias da vida em qualquer lugar do mundo,
principalmente com a barriga vazia ou vendo fronteiras se fecharem ou ficarem mais estreitas nas sombras de muros. A indústria da alegria vende mais antidepressivos que o nudismo existencialista.
Eu me esforço para estar bem quando sei que o mundo está errado porque não tenho como resolver o que penso estar errado no mundo. Mas também o esforço tem vida curta, sei que o que penso 'estar errado no mundo' pode ser apenas algo que penso errado e pesa minha cabeça impedindo que eu veja aquilo que vê quem não está pensando em nada do meu lado.
Da minha janela eu podia ter visto o carro velho conduzido pelo jovem feliz que passa na rua, ou o menino que tropeça do alto de suas preciosas havaianas novas,
ou as vizinhas namoradas adolescentes que brigam por nada como se o mundo fosse acabar em tapas e beijos.
Da porta da sala eu podia ter visto minha gata que tem nome de flor lamber sorvete na calçada se eu tivesse sentado lá para saber não fazer nada.
Se penso tanto não vejo nada.
Só de vez em quando então, no às vezes de entre os instantes, é que consigo sentir o doce não fazer nada.
É quando não penso o que é vida ou amor. É quando vejo beleza na vida e no amor. É quando vejo pelos olhos de quem não está pensando e por isso vive o momento.
É quando simplesmente percebo sem olhar de frente, olhando de viés o tempo das coisas e o nada em volta.de tudo. É quando sinto não poder estar em outro lugar para ver o tempo senão ao lado de mim mesmo perscrutando o silêncio na luz do dia a transmutar as coisas em mudas coisas lentas na mente.
Tanta coisa a fazer e nada de novo pode mudar quem em mim pensa enquanto o sistema financeiro faz da Terra apenas uma pedra a girar infelizmente mais rápido no espaço.
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Baltazar Gonçalves