GUERREIRO
Reza a lenda, não sei se é de fato verdadeiro
Quando nasce uma criança é costumeiro
Um anjo descer das estrelas bem ligeiro
Fazer presságios de futuro alvissareiro
Na escuridão da noite sob a luz do candeeiro
Brilha o olhar de mãe vendo o filho aventureiro
Comandando aviões em céu de brigadeiro,
Ou um Transatlântico em majestoso cruzeiro
Derrotar dragões como São Jorge padroeiro
Viver em Paris, talvez o quinto mosqueteiro
Cheio de glórias, El Rei nomeá-lo cavaleiro
Casar com princesa, o novo príncipe-herdeiro
Madrugada de insônia cabeça no travesseiro
Ouve o lento tique-taque a arrastar o ponteiro
Cuco enlouquecido sai gritando do cativeiro
Prenúncio de outro dia cansativo e rotineiro
Não tem sineta pra chamar o camareiro
Nem café na cama, cheiro de pão caseiro
Ausente o calor de um amor companheiro
Não o aguarda carruagem e servil cocheiro
Ouve lá fora o barulho do caminhão do lixeiro
Choro novo ao longe em incessante berreiro
Lembra-se, desolado, à caminho do banheiro
Não comprou a resistência do chuveiro
Pudesse mudava-se desse pardieiro
Lamenta-se da falta do bendito dinheiro
Em seu dia-a-dia monótono e corriqueiro
Sente-se nada além de um prisioneiro
Deve ter cometido algum erro grosseiro
Mexido errado as pedras de seu tabuleiro
Promessas pro Santo Padim de Juazeiro
Simpatias no terreiro do Zé Macumbeiro
Arriscou trocados com o Mané Bicheiro
Vida não melhora, lastima-se cabreiro
No acerto de contas, o anjo surge todo faceiro
Perguntou-lhe de modo rápido e rasteiro
Se não houvera engano no seu roteiro
Resposta consola o instante derradeiro:
A vida é nosso palco e picadeiro
Não há destino perfeito e certeiro
Preciso ter coragem o tempo inteiro
Você foi um bom guerreiro...
E desapareceu, balançando o chaveiro
Reza a lenda! Não sei se é verdadeiro...