SOBRE UM MOURO E UM ZAINO NEGRO
Quando cruzei da porteira
e fui virando este mundo,
rumbeava mal de a cavalo
num tobianito crinudo...
Até que andava bem lindo,
caso campeasse uma dança,
mas se chamasse na espora
ou empurrasse uma trança,
sempre faltava um cavalo
- do mesmo jeito, confiança -
Já andava mal pela vida,
teatino, vago e mundano...
E ainda perdendo carreira
pr'estes boizito sobreano?
Num upa peguei a estrada,
campeando dois pingo bueno...
Um mais sestroso e ligeiro,
outro mais calmo e sereno.
Pra que sobrasse recurso
e que o rebenque no pulso
só fosse enfeite de aceno.
Queria um pra, aos domingos,
rondar carreira em povoado...
Que fosse doce de boca,
sem balda, nem desconfiado...
Cavalo de pouca pata,
"cruza com touro", entroncado,
e que tranqueasse bonito,
- por mansarrão e pesado -
pra ver as moça se rindo,
com o coração encantado.
Outro que fosse leviano,
de olhar curioso e atento...
Dos que tranqueiam ladeado
e guardam cismas de vento.
Que desconfiasse da sombra,
se espiando a todo momento...
Mas que guardasse nos olhos
o brilho do fundamento,
pensando junto comigo
me comungando os intento.
Já bem distante do pago
pude encontrar a parelha...
Lá num rincão missioneiro,
destes da terra vermelha.
Um zaino negro, bem manso
e um mouro quebra, sestroso...
Cabresteador? Qualquer um!
E nenhum deles baldoso.
- Te oferto um lote de vaca
e meus apero de prata!
Assim eu disse pro dono
que respondeu-me na lata:
Meu caro amigo, compreenda,
veja estes pingo de estouro...
Nem por apero de ouro
lhes enquadrava pra venda.
São dois amigos que tenho...
Varei o mundo com eles,
e com minhas garra de couro...
"De dia ao trote no meu zaino negro...
De noite ao tranco no meu pingo mouro!"
Obs.: Este poema é uma "ode" à música "Meus Dois Amigos", recolhida do folclore regional gaúcho por Jayme Caetano Braun e Noel Guarany.