Labuta
Ainda está escuro e frio
Atiça a brasa para pegar
Fogo na palha, fogão de lenha
Café no pano para passar
Vai retireiro tirar o leite
às quatro e meia da manhã
banco de um pé preso na cintura
Mistura de rabo com sutiã
E vai juntando leite no tanque
Rezando baixinho para chegar
O caminhão do leite, que chegue antes
do leite das vacas dele azedar
Um Real por litro é pouco
É o que a usina pode pagar
Por esse trabalho de louco
Que filho nem neto querem praticar
Finalizando o serviço
De cuidar da criação
Vai cuidar de sua lavoura;
adubo, veneno, enxadão
Num calor de quarenta graus
Nunca usou uma proteção
Sai tragando pela lavoura
Um enfisema para o pulmão
Lavrador que não morre de câncer
É porque houve fatalidade
Que o colheu da Terra antes
de atingir a maturidade
Fico pensando nisso
e as vezes me dá tristeza
Quem come bem na roça
Nunca é quem põe a mesa
Para o rico, morar na roça
Pode ser tranquilo sim
Mas pro pobre é sacrifício,
Suplício, labor sem fim.
Não tem feriado, férias ou Natal,
Carnaval, Páscoa ou aniversário
Trabalho da roça que nunca tem pausa
Engrossa as unhas serviço diário
E se acorda sonolento a cobra pica
E se trabalha distraído a serra corta
O gerente do banco quer que ele quite
O empréstimo daquela vaca morta.
Enquanto enrica o fazendeiro
O lavrador de fome berra
Desmata e bota um boi nelore
Em cada alqueire de terra
"-É terra produtiva!" ele diz ao juiz
"-A lei não deixa desapropriar
Eu arrendo a terra pro lavrador!
Que planta braquiária pro meu boi pastar"
Vem nascendo a noite, vermelha e banzeira
Um banho relaxante e uma refeição
Vai ficar sonolento de tanta besteira
Que ele vê passar pela televisão.
Domingo à noitinha vai na igrejinha
Conversar com Deus um particular
E Deus sempre ouve, até que lhe responde
"-Jesus esta noite virá lhe buscar."
E Jesus sorrindo vem lhe falar
Que este mundo muito melhor seria
Se todo governante antes de governar
Fosse um bom lavrador por um dia