Ausência
Aos olhos de minha família:
sou filho, irmão, sobrinho ou neto.
Aos olhos dos amigos:
sou somente um cara legal.
Aos olhos da sociedade:
sou só mais um, cheio de rótulos.
Aos olhos da religião:
sou um pecador.
Aos olhos da política:
sou um eleitor.
Aos olhos da psicologia:
preciso de terapia.
Da medicina:
estou sempre doente.
Aos olhos de uma fotografia:
sou apenas uma imagem —
esta, sobreviverá mais tempo que meus
ossos e músculos e pele,
embora um dia
ela também se vá.
Aos meus olhos:
eu nem aqui dentro estou.
Conheço os familiares, os amigos,
a sociedade, a religião, a política,
a psicologia, a medicina e
sei o que é fotografia.
Em todos esses anos
eu só não soube
foi de mim.
E o preço que se paga por esta ausência
é ser o filho, o irmão, sobrinho, o neto,
o amigo, um rótulo, um pecador, um eleitor
doente que precisa de terapia
e está presente numa fotografia
cuja imagem sobreviverá
muito além de mim mesmo.
— E que a meu respeito não diz nada!