LEI CANINA
O cão de rua espalha-se,
delimita um território,
fixa marcos de urina junto aos postes.
O cão de rua disfarça,
elimina vestígios de tensão:
o ar comprimido dos pneus que acossa.
O cão de rua cheira os escolhidos,
esconde-se na periferia,
late,
extingue os galos das manhãs.
O cão de rua já desperta o teu espanto:
“Aquela cadela atropelada,
ontem morta no meio fio,
hoje está viva, igualzinha”.
O cão de rua sabe que há uma época para o cio
e outra para o vírus.
Acerta o mês. Agosto,
tempo de cachorro louco,
e aguarda a primavera que um dia será dos vira-latas,
como hoje é das violetas.
Ninguém percebe.
Há uma luta entre o cão de rua
e o pedigree humano.
E se o cão da casa só obedece a língua do dono,
o cão de rua compreende todas as línguas,
todos os ócios de um meio-dia de sol.
Ele pula em teu colo
e perpetua as suas pulgas.
do livro "BORBOLETAS NOTURNAS NÃO EXISTEM"