LEI CANINA

O cão de rua espalha-se,

delimita um território,

fixa marcos de urina junto aos postes.

O cão de rua disfarça,

elimina vestígios de tensão:

o ar comprimido dos pneus que acossa.

O cão de rua cheira os escolhidos,

esconde-se na periferia,

late,

extingue os galos das manhãs.

O cão de rua já desperta o teu espanto:

“Aquela cadela atropelada,

ontem morta no meio fio,

hoje está viva, igualzinha”.

O cão de rua sabe que há uma época para o cio

e outra para o vírus.

Acerta o mês. Agosto,

tempo de cachorro louco,

e aguarda a primavera que um dia será dos vira-latas,

como hoje é das violetas.

Ninguém percebe.

Há uma luta entre o cão de rua

e o pedigree humano.

E se o cão da casa só obedece a língua do dono,

o cão de rua compreende todas as línguas,

todos os ócios de um meio-dia de sol.

Ele pula em teu colo

e perpetua as suas pulgas.

do livro "BORBOLETAS NOTURNAS NÃO EXISTEM"

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 06/07/2017
Reeditado em 06/06/2018
Código do texto: T6047586
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