REPARE
Já nem reparo no barro que enfeita a rua,
menos ainda nos postes com lâmpadas enfermas,
tão graciosa se recusa a se deitar nos buracos, a lua,
repletas de vazios, a rua sente-se erma...
Já nem me desgosto pelo teu mergulho no mundo virtual,
palavras são sementes não nascidas que esperam de tua boca
a saliva do pensamento que engendra a filosofia conceitual,
o riso solitário do palhaço no picadeiro das idéias loucas...
Se fomos gentis e corteses e abraçávamos uns aos outros,
se dividíamos o nascer de um sonho ouvindo Beatles ou Stones,
hoje nem reparamos que o muito que tínhamos se tornou pouco
na feira da nuvem de informações que nos tornam todos insones...
Mas, repare, há um pássaro matinal desafiando a elétrica cultura,
um vozerio de formigas no espalhamento das migalhas do teu pão,
mãos angelicais tecendo em linho branco suaves e doces suturas
nas almas sem viés que escolheram o metrônomo
em vez do coração...