POETAS SEM SONO

Para onde vão as palavras

depois o que corpo se livra e se lava

da casca e vira de novo pomo de Adão

se reencontrado com a mãe no Paraíso

e a mãe Lilith nos limites da razão?

Pra onde vai o verbo

que se desmancha como prego

depois de milênios cravado

na mão do ser alado

a olhar pro céu?

Para onde vão os restos dos pensamentos

depois que que o pó voa no vento

e se mistura ao salgado mar absoluto

que canta a canção de sereias

que enlaçam Ulisses de luto?

Para onde vão os possíveis poemas abstratos

os concretos os ainda em formato no hipotálamo

ou esteja onde estiver na plenitude do zênite

ou oliva quente dormindo numa colher?

Para onde vão os sonhos que não viraram poesia

e andam a passear pelas alamedas de pedras frias

à espera de poetas sem sono que sonham o abandono

para experimentarem o que a lua sente

quando do sol está ausente?

Para onde vai a canção das flautas quando os ossos nautas

encerram a travessia e atravessam o mar silente que dormia

para não acordar ninfas e faunos e sereias e centauros

num dia de clareza absoluta dentro da cidade tão vazia?