OS BALAÚSTRES

Os balaústres, estáticos observadores,

enquanto adornavam o centro da cidade

assistiram ao ocaso da ferrovia e, magoados,

deram adeus aos últimos vagões que partiram

para longe, carregados de minério

resquícios da nossa riqueza estadual.

Os balaústres, impotentes,

viram a antiga estação ferroviária cair em ruínas

abandonada pelo poder público, como sempre

desidioso com nossa história.

Os balaústres, n’outros tempos,

foram reduto para encontros românticos

ouviram suspiros, sentiram calores

ruborizaram-se com carícias atrevidas,

testemunharam muitos casos extraconjugais.

Os balaústres, curiosos,

viram ébrios foliões despirem as fantasias e,

licenciosos, amarem-se carnavalescamente

sobre os trilhos do trem.

Os balaústres, condoídos,

viram meninas chorarem desilusões de amor

estudantes sonolentos arrastarem-se para a escola

garotos valentões brigarem por bobagens,

sangue e suor derramados ao término das aulas.

Os balaústres, crentes,

assistiram às procissões na Santa Semana

e, nas noites de maio, inocentes anjinhos

marcharem apressados, ao ritmo da filarmônica,

velas, palma e pétalas de rosa nas mãos

para a coroação da Virgem na igreja matriz.

Os balaústres resistiram ao tempo,

mas foram danificados por vândalos inconsequentes

filhos da elite local deseducados pelo poder financeiro

que, como sempre, ficaram impunes

a debochar da ineficácia de nossas leis.

Os balaústres, infelizmente,

fecharam-se num mutismo eterno.

Se quisessem, poderiam falar d’outras épocas,

contar muito sobre nossa gente...

mas alguém se interessaria em ouvi-los?

Raphael Cerqueira Silva
Enviado por Raphael Cerqueira Silva em 09/11/2016
Código do texto: T5818607
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