SE

Se digo pão, dizem-me:

escreva sobre o governo, suas padarias que não existem,

seus fornos que nunca se acendem, a farinha que não se amassa,

o trigo que não se plantou, as terras devolutas, abandonadas,

a fome nas lancheiras das crianças nas críticas escolas,

o café da manhã sem frutas e sucos e energia pura...

Se digo arte, dizem-me:

escreva sobre os museus que guardam mortos

e a polícia que guarda ruas contra os grafiteiros,

a arte que é um desastre dentro do estar-te arte,

a política da entrega de totens manchados,

o corpo da música às partituras soldado,

o reino da absoluta incoerência,

a morte da arte, da ciência,

dos artistas à beira da demência,

dos putos que servem às putas extravagâncias,

o fim da cultura, de sua infância...

Se digo palavra, dizem-me:

cavouque nos dicionários da bibliotecas,

imersos na poeira das culturas pré-fonéticas,

na rua é que não há nenhum lugar

para novos revolvedores,

especuladores,

fuçadores,

atores da nova peça da nova arte,

muito além dos desastres,

aqui e agora, morram os velhos tomos,

destarte...