POEMA PARA UM CÃO AGONIZANDO
Desprezivelmente atirado no meio de entulhos de um morro íngreme,
contemplei um pobre cão, ainda filhote, a agonizar...
Constituía-se apenas de pele e osso.
Seus olhos, de alguma forma marejados, estavam imóveis
suas costelas salientes empurravam levemente a pele para cima
via-se que empregava as últimas forças
na infrutífera luta dos pulmões para conseguir algum ar.
No céu, o escaldante sol do meio dia
sobre a cidade uma densa nuvem de poeira.
Ali perto, no alto de um pasto, uma seriema cantou num triste lamento
- é que quando um cão sofre, toda a natureza,
todo o universo sofre junto.
Por alguns segundos, pensei na mão que, um dia,
o tirou de perto de sua mãe
na perigosa euforia que o deslumbramento oferece...
Pensei nas inocentes brincadeiras que um dia esse cãozinho fez
e que, em troca, quem sabe, ganhou pontapés e xingamentos
- um cão é muito mais humano que a maioria dos homens.
Tive a absoluta certeza de que, se por qualquer motivo,
o dono daquele cão aparecesse ali
e o mirasse, por um segundo que fosse,
a energia que ele empregava em tentar respirar,
ele a usaria toda para abanar-lhe, pela última vez, a cauda...
Tua dor, pobre cão,
não difere da minha ou da de qualquer pobre mortal,
o segredo é tentar relevar
ignorar
e, assim, quem nos vê
admira-se do modo como nos acostumamos ao adverso.
Desta forma, outra coisa não podendo fazer por ti,
resta-me apenas te oferecer a morfina barata destes meus versos.