POEMA PARA UM CÃO AGONIZANDO

Desprezivelmente atirado no meio de entulhos de um morro íngreme,

contemplei um pobre cão, ainda filhote, a agonizar...

Constituía-se apenas de pele e osso.

Seus olhos, de alguma forma marejados, estavam imóveis

suas costelas salientes empurravam levemente a pele para cima

via-se que empregava as últimas forças

na infrutífera luta dos pulmões para conseguir algum ar.

No céu, o escaldante sol do meio dia

sobre a cidade uma densa nuvem de poeira.

Ali perto, no alto de um pasto, uma seriema cantou num triste lamento

- é que quando um cão sofre, toda a natureza,

todo o universo sofre junto.

Por alguns segundos, pensei na mão que, um dia,

o tirou de perto de sua mãe

na perigosa euforia que o deslumbramento oferece...

Pensei nas inocentes brincadeiras que um dia esse cãozinho fez

e que, em troca, quem sabe, ganhou pontapés e xingamentos

- um cão é muito mais humano que a maioria dos homens.

Tive a absoluta certeza de que, se por qualquer motivo,

o dono daquele cão aparecesse ali

e o mirasse, por um segundo que fosse,

a energia que ele empregava em tentar respirar,

ele a usaria toda para abanar-lhe, pela última vez, a cauda...

Tua dor, pobre cão,

não difere da minha ou da de qualquer pobre mortal,

o segredo é tentar relevar

ignorar

e, assim, quem nos vê

admira-se do modo como nos acostumamos ao adverso.

Desta forma, outra coisa não podendo fazer por ti,

resta-me apenas te oferecer a morfina barata destes meus versos.

Isac Hudson
Enviado por Isac Hudson em 12/07/2016
Código do texto: T5695407
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