MERO ARQUITETO

Que me construíssem os versos,

não eu a eles, mero arquiteto;

saberia do que feito são, se discretos

ou vislumbres de um reino secreto...

Que mo dessem de comer as palavras,

uma a uma a porem em meus lábios

o que já dissera o silêncio, que cala

o tempo que, mais que tudo, é sábio...

Me levassem as estrelas para perto do sol, no céu,

centelhas iluminadas entrassem-me retinas adentro,

desnudassem minh'alma envolta em véu,

fosse eu por fora o que sou por dentro...

Mas cá estou a tingir o dorso do virgem papel,

rabiscos que buscam decifrar esta humana viagem,

animal arisco que busca na floresta dos sentidos o mel

que alimente este tempo de travessias e estiagem...

Tomo das folhas do meu corpo e um chá faço,

ergo, brilhante, a palavra que tudo faz e tudo cria;

renuncio a odes: um só, simples, busco, traço,

que chamo de aurora, ou vida, ou poesia...