DISTANTE POEMA
Nem tudo que não pode ser mostrado não é visto;
repare bem, a moça que passa, desajeitada num salto alto,
suas pernas firmes e lisas, seu andar quase procurando apoio,
enfia a mão na bolsa, tira uma caderneta, procura um endereço,
volta na mesma calçada, anda agora mais rápido,
eu a sigo, de longe, ela dobra a esquina,
se apressa, no fim do quarteirão para,
olha à esquerda, procura a casa,
entra pelo portão de madeira,
bate na porta, eu chego,
é a minha casa...
Ela se volta, me dá um meio sorriso, pisca,
me cumprimenta, diz seu nome, enfia a mão na bolsa,
dela retira um pedaço de papel amassado,
tenta desamarrotá-lo, o estica, amarfanhado,
o pego, passo os olhos, é um poema
que eu havia escrito a muitos anos,
o considerava perdido,
não o quis de imediato,
depois reli, reli, reli,
mesmo assim amarrotei-o e joguei fora,
ela me diz que o achou, por acaso,
abriu a folha e leu, leu muitas vezes,
aquele poema foi a ponte para que ela
recomeçasse a crer em alguma coisa,
ficamos nos olhando,
eu, procurando onde estava o que escrevi,
ela, procurando onde estava quem o escreveu,
ambos, por sorte ou acaso desmedido,
diante do mesmo poema,
com consequências diferentes,
ali, parados, nem sei se felizes,
nem sei se contentes...