AS MENINAS
Nesse frio a cidade entristece
e atrás da vitrine,
a manequim avista
o sol de inverno em São Paulo.
É oca e plástica a boneca,
que agora prega o seu quase olhar
em nossa estrela já opaca entre nuvens.
São quase dourados,
a boneca e o sol paulistano.
Mas, às vezes, acontece
uma brisa morna cintila,
apaga os faróis,
desce pelas avenidas
e a transparência do nosso astro
reaparece.
Nesse frio São Paulo entristece,
e atrás da vitrine
a modelo veste uma jaqueta justa
e mira veículos apertados
por faixas justíssimas.
É oca e plástica a boneca,
que ajusta agora a sua quase percepção
para autos colados ao asfalto.
São quase iguais,
a boneca, o sol e o trânsito paulistano.
Mas, às vezes, acontece,
constantes explosões de “air-bags”,
desenlaçam pedestres
aquecem as ruas e praças
e a graça dos verão
reaparece.
Nesse frio a cidade entristece,
e atrás da vitrine,
a manequim percebe a voz da mulher ao marido:
Querido, eu mereço.
Então essa boneca tão oca e plástica,
acende a sua vaidade e pensa:
Eu também careço.
Muito semelhantes são,
a mulher de plástico e a mulher de osso.
Mas, a mulher de osso paga em espécie
e a mulher de plástico somente resplandece.
Vitrines não são consolo.
No frio toda a cidade entristece,
e atrás da vitrine,
a manequim oca e plástica percebe,
o quanto é difícil manter em São Paulo
a pura mimese.
Do livro: "Borboletas noturnas não existem"