AS MENINAS

Nesse frio a cidade entristece

e atrás da vitrine,

a manequim avista

o sol de inverno em São Paulo.

É oca e plástica a boneca,

que agora prega o seu quase olhar

em nossa estrela já opaca entre nuvens.

São quase dourados,

a boneca e o sol paulistano.

Mas, às vezes, acontece

uma brisa morna cintila,

apaga os faróis,

desce pelas avenidas

e a transparência do nosso astro

reaparece.

Nesse frio São Paulo entristece,

e atrás da vitrine

a modelo veste uma jaqueta justa

e mira veículos apertados

por faixas justíssimas.

É oca e plástica a boneca,

que ajusta agora a sua quase percepção

para autos colados ao asfalto.

São quase iguais,

a boneca, o sol e o trânsito paulistano.

Mas, às vezes, acontece,

constantes explosões de “air-bags”,

desenlaçam pedestres

aquecem as ruas e praças

e a graça dos verão

reaparece.

Nesse frio a cidade entristece,

e atrás da vitrine,

a manequim percebe a voz da mulher ao marido:

Querido, eu mereço.

Então essa boneca tão oca e plástica,

acende a sua vaidade e pensa:

Eu também careço.

Muito semelhantes são,

a mulher de plástico e a mulher de osso.

Mas, a mulher de osso paga em espécie

e a mulher de plástico somente resplandece.

Vitrines não são consolo.

No frio toda a cidade entristece,

e atrás da vitrine,

a manequim oca e plástica percebe,

o quanto é difícil manter em São Paulo

a pura mimese.

Do livro: "Borboletas noturnas não existem"

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 26/02/2016
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