Através da janela

Ao acordar e abrir a janela, direciono o olhar para o mundo, mas tudo o que vejo parece ser sombras, desprendidas da realidade. Meus olhos não conseguem alcançar os ratos e as baratas que se esgueiram pelas vielas da cidade. Sinto o aroma da manhã como um rei na calmaria de seu palácio, dando graças ao sol que se irradia. Quem diria que é o mesmo sol que castiga a carne dos famintos, dia após dia?

Observo o voar das aves e ouço seu canto e, com elas, canto, como se a vida fosse uma rima. Mas logo um grito distante ecoa de um morro acima, um som abafado pelo vento que, tão rápido quanto surgiu, se foi, sem tempo de legitimar, no eco, seu sofrimento.

Ao meu lado, na varanda vizinha, uma moça está a chorar. Como em todos os dias, no mesmo horário, ela hesita, sobe no parapeito, mas não chega a pular.

Vejam só, tudo passa, tudo se esquece, como todos sabem. Enfim, ao fechar a janela, o mundo lá fora se encerra, e meu mundo se abre.

Álvaro de Azevedo