Em gesso

Dentro de mim, há um quarto branco

onde o silêncio se veste de pó

Entro, passos cautelosos

como quem teme ver o próprio eco

como quem teme desabar

Ali, o ser se revela no espelho do nada

o ser rasteja em carcaça

numa língua que escorre sem tradução

É um besouro —

negro, frágil, esmagado sob o peso do olhar.

Tudo que eu era, agora se dissolve

entre um pensamento e o próximo

entre o asco e o toque na casca da verdade

onde encontro não um nome, mas um grito

não uma forma, mas um enigma

A cada instante, o gesso que me moldava

estala e racha, sem licença de voltar

Mordo o desconhecido, o gosto de vazio

o sabor do que me desfaz, me reinventa

E no fim, eu sou a ausência preenchida

o ventre que devora o próprio ser

o nada que pulsa —

e aceita.