voz
aqui estou
desnudo e envergonhado
da pequenez de minha capacidade
e da vastidão de minha necessidade
de aprovação
forço-me a pintar estas letras
apenas para que com o tempo
elas desapareçam
apenas para que meu tempo seja
desperdiçado
tentando alcançar o coração
daqueles com quem não me importo
por mais que tente
me convencer
demonstro-me um mau mentiroso
desejo as sombras
assim como desejo a luz
que queima minha alma
sem piedade
eu vejo seus olhos
eu vejo seus movimentos
e de forma envergonhada
tento imitá-los
minha forma
é desleixada e humilhante
mas permaneço de pé
diante da plateia que
não me enxerga
seja por estes sentimentos
por estas palavras
ou por estas crenças
de que tudo está
organizado de forma incoerente
e incorreta
não se engane
sou um bom ator
mas um bom ator
que decidiu pelo fim de sua carreira
não completamente
mas resignado a
figurante e espectador
de outros atores
em suas magníficas peças
não se engane
elas são efêmeras
e seu valor jaz somente
dentro delas mesmas
uma tempestade de ruídos
com valores atribuídos somente
no contexto
da loucura coletiva que a valida
participamos ou morremos
falamos ou somos esquecidos
insistimos ou somos deixados para trás
como, deus, chegamos até aqui?
quando iremos parar?
quando finalmente a sanidade retornará e
nos levará de forma violenta
ao estado natural e correto
da existência?
não uma com engrenagens
lambuzadas de óleo e lágrimas
enferrujadas e defasadas
mas uma existência onde não mais
precisaremos
de atores, peças ou teatros
uma existência onde o sol
deixará de ser a maldição de um novo dia
desgraçado
mas sim o marco
de uma nova oportunidade
de andarmos sem fantasia
ou nos deitarmos na sombra de uma árvore
sem o peso da realidade
que destrói inexoravelmente
incessantemente
nossas mentes
e nossos corações