PÉS DESCALÇOS
A SEMENTE
“Lembro-me de quando
meus sapatos eram menores
que meus pés.
Por que sofria tanto com isso? (desconfio)
Até que um dia
deixei-os de lado...”
O POEMA
Pés de dedos vacilantes
sem direção
Pés correndo, apressados
na contramão
Pés acorrentados
por invisível cordão
Pés que suportam
o peso da solidão
Pés pela casa
a procura do nada
Pés pelo quarto
pleno de espelhos
e ausente de afeto
de teto e desejos
Pés pelos cantos
escondidos
até se perderem
até não verem saída
Pés magros
por um dia ruim sem comida
Pés cegos e mudos
Cada corredor
um caminho no escuro
Cada voz
um aterrorizante sussurro
Pés que se atrevem na surdina
Cada aventura
uma perigosa esquina
Cada lembrança uma dor
que alucina
Pés que perguntam, quem sou?
Fugitivo ou perseguidor
Invadido ou invasor?
De mim mesmo?
Pés, agora descalços
Livres, a salvos
pelo contato com a terra
Pés que me salvam da guerra
Que me conduzem à frente
Que me trazem para a realidade
Que me tiram da cidade
para ver o mar
Pés que imprimem
em minha mente
um olhar diferente
como o dos antigos navegantes
Pés que me levam
para lugares distantes
não antes visitados
Pés apontados
para o agora
Pés sem medo de ir embora
Pés que me devolvem
a certeza
De que não sou uma presa
de que sou passageiro
Um estrangeiro
pelos caminhos desta vida
Pés que me devolvem
a clareza
de me sentir por inteiro
Ajustando primeiro
o ponteiro, o roteiro
desta minha viagem
Pés feitos de coragem
Pés que transformam
sua aparente fraqueza
em fortaleza
E em bobagem
a aparente riqueza
do mundo
Olho para meus pés
e pergunto:
- Quantos passos,
quantas caminhadas
pelo planeta?
Quantas andanças
ainda teremos
pela margem de cá
do grande rio...?
Claudio Lima
Foto acidental: Praia Troia Mar
Setúbal – Portugal / setembro 2020
“Só às vezes piso com
os dois pés na terra do
presente: em geral um pé
resvala para o passado,
outro pé resvala para o
futuro. E fico sem nada.”
Clarice Lispector
Um sopro de vida
“Ajude ao que erra;
seus pés pisam o
mesmo chão, e se você tem
a possibilidade de corrigir,
não tem o direito de censurar”
Allan Kardec
“Porque andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me às vezes viver.”
Mia Couto
“Ninguém experimenta
a profundidade do rio
com os dois pés”.
Provérbio Africano
“Foi pelas ruas da vida
que andei descalço e
esfolei meus pés
de amores vãos”.
Monteiro Lobato
“Teus pés te levam
Aonde teu coração
se encontra.”
Proverbio Escocês
“Mas sou sempre eu,
assente sobre os
mesmos pés, o mesmo
sempre, graças ao céu
e a terra. E aos meus
olhos e ouvidos atentos.
E a minha clara simplicidade
de alma...”
Fernando Pessoa
Por Alberto Caeiro
Do poema: Nem sempre sou igual