Na minha estante
Durante muito tempo eu me abriguei
Nessa biblioteca gigante
Levei mais de mil anos
Para ler todos os livros
De uma única estante
Alguns deles me tomaram semanas
Decadas, séculos
E lá se foram os meus cabelos brancos
Mas eu guardei os mais interessantes
Aqueles que me contaram sobre o amor
Eu tive uma vida longa
Cheia de amantes
Mas nenhum durou
Mais do que um instante
E nesse tempo todo em que eu vivi
Imerso em páginas sem fala
Todos os lugares que eu conheci
Sem sequer sair dessa sala
Foram tantas madrugadas,
Tantas aventuras e romances
Foram tantas chances
Tantos caminhos difrentes
Tantos rostos, tantas cores de gente
Tantas malas e tantos presentes
Conheci uma donzela
O pai dela me matou
Mas eu voltei em outro conto
Com diploma de Doutor
Num conto eu era Rei
No outro eu fui escravo
Alguns eu facilmente desvendei
Outros eu quase não me salvo
Fiquei dias divagando
Encarando um penhasco
Juntando pistas e combinando os fatos
Em outro conto eu era um pirata
Com uma perna de pau e um papagaio
Já fui gato viralata
E cadela de raça em outra ocasião
Ja tive muitos nomes, pronomes
Fui devoto de toda religião
Vez ou outra eu me desconhecia
Tinha sido tanta coisa
E tudo me cabia
Morei na poesia e na ficção
É que eu vivi mais de mil vidas
Procurando um conto específico
De outra dimensão
Um livro tão antigo
Que dizem não ter mais de uma edição
Foi escrito a muitos anos
Com lágrimas
Nas paredes de um coração
E lá se foi, mais uma noite em claro
Tentando resolver o mistério
Dessa vaga citação