eu queria poupar da palavra toda a minha carne
eu queria poupar a palavra
de toda a minha carne
queria também desmanchar
da palavra as geografias
as imagens marcadas na língua
e cravadas no peito
postas em lentes a força sobre o que ver
queria a palavra virgem de novo
queria tirar dela a cegueira de tantas visões
e ter dela apenas o primeiro som
queria que entre eu e a palavra houvesse um sentido estrangeiro
e que demarcada a palavra voltasse a ser um forte
a refugiar seus vastos planos
mas a palavra agora
perde a memoria aos poucos
a palavra perde seus nomes, seus endereços
suas esquinas, seus desejos, sua cidade,
seu estado, sua língua
a palavra aos poucos volta para um lugar inicial ...
quando a gente por acaso já não se lembra dela
e por acaso é tocado por ela