Ossos
Ninguém sabia o que fazer com a ossada,
A única lembrança que ainda restava
De alguém que se foi a muito tempo.
O nome na lápide estava rasurado,
Nas mãos do vento, dos vândalos
Das pestes que rastejaram ali
Em busca de alimento qualquer.
Sequer havia uma formação clara.
Apenas o resto dos restos calcificados,
Jogados a esmo e misturados
No fundo do jazigo cheio
De outros parentes com nome
E história bem definida.
Mas ele, não.
Era apenas uma junção do fracasso biológico
Do descarte da natureza, do fim do caminho.
Ele poderia ser tudo, ele poderia ser todos
Mas só poderiam ser ele,
Se também perdessem por completo
A própria identidade.
Resta apenas o que fazer com os restos,
Embalar num saco preto e levá-los pela porta
Cuja entrada é proibida
Para aqueles que não carregam
Os ossos de terceiros.
Misturado com outros esquecidos,
Ignorados. Perdidos no tempo; abandonados.
Esperando o dia em que serão descartados,
Incinerados.
Lá está seu pai, seu tio
Seus amigos, um punhado de desconhecidos
E outros tantos que você nunca ouviria falar.
Estão heróis, vilões,
Estão as avós e as mães
Dos filhos que tardarão em lhes acompanhar.
Estão os netos e sobrinhos
Dos tataravôs e de seus vizinhos
Que comungam junto em morte
Assim como faziam em vida.
Qual será o ruído que produz
Uma sala cheia de ossos desconhecidos
Que costumavam se conhecer, e conhecer a todos
Mas que agora são apenas retalhos póstumos
Compondo uma das centenas de caixas
Enfileiradas rente as paredes?
Eles ainda se lembram quem são?
Saberiam reconhecer os próprios ossos,
A única coisa que mantiveram
De sua vida passada?
Ou são profundamente ligados,
Pela mente coletiva,
Que em vida ordenava seus movimentos
E agora apenas sonha em ser completa novamente?
Ou o mesmo nada que ouvimos
Ao grudarmos o ouvido na porta,
É a sinfonia que escutam os ossos:
O silêncio completo de uma câmera óssea?
Ociosos, amargurados
Ansiosos pelos próximos passos
Que emitem o único som que ainda conhecem
A chegada de mais um esquecido
Que ninguém mais reconhece.
Ou, no pior dos casos
Se tornaram apenas relicários,
Composições de estatísticas imprecisas,
Estimativas de quantidade,
Estudos ocasionais,
Desconsiderando a qualidade.
Pois no fim serão apenas cinzas
Mesmo que no começo tenham sido algo.
Agora são apenas ossos,
Ocupando espaço.