CORES DO MEU TEMPO
(I)
Eu encaneci
e meus versos ficaram amarelos.
Foram as tardes e as manhãs e as vigílias.
Foram as folhas caídas de muitos
outonos.
Foram os olhares cansados sobre este patrimônio.
(II)
Tenho andado por muitas avenidas
e nunca alcancei a catedral.
Contudo, destruí altares
rebuscando a História.
(III)
Meus poemas têm a nostalgia do silêncio
e a solidão dos esquecidos.
(Muitos não se lembram e nem sabem,
mas há os esquecidos.
São como o musgo que pisamos...).
(IV)
Assim, ganhando ou perdendo, eu quis
falar pelo mudo
ouvir pelo surdo
e ver pelo cego.
Nesse empenho eu abri muitas bocas
preparei ouvidos
e guarneci olhares
em todos os cantos da minha poesia
e clamei meu hino
e ouvi gemidos
e vi desamparados
e meu grito meu grito meu grito
subiu à cidade numa teima castelhana
e o fogo da garganta devorou
alguns joios da beira do caminho.
...Mas as sombras vieram
e meus versos cansaram
e hoje são lentos são brancos são calmos.
(V)
Tenho conhecido o Caminho.
A Mulher da mocidade.
Tenho conhecido os nazarenos.
Jamais deixei a fé,
mas não cheguei ainda ao pomar das promessas.
Por isso meus poemas são canções de quem
espera e caminha.
Não encontrei todas as plantas dos
[Vinhedos.
O pomar ainda busco.
O pomar ainda busco.
Quero beber do vinho puro!
– De irmão para irmão...
(Orar, fraternizar, sentir, subir, alvorecer...)
(VI)
Fui lusitano perdido nas lendas,
fugido nas vagas,
encontrado no tempo que se chama Hoje.
Fui galileu perseguido.
Fui escravo na corte.
Fui o mago do rei.
Hoje escrevo poemas...
(VII)
Os meus versos são brancos
mas buscam rimas
nas cores do meu tempo:
no azul-anjo do meu céu de menino
no verde-latente da semente escondida
no pálido-tosco do cajado e esteio
no vermelho-raio da última batalha
e no amarelo-antigo
que insiste que insiste
em cingir minha tarde
com uma mantilha triste.
SGV. (17/08/2004)
(fragmentos da vida)