Que és homem?
Que és, homem?
És vendedor de pães?
Não, senhor, não gostava
De vendê-los e nem ao menos
De vendê-los com manteiga de
Desnatadeira – me melava todo.
Então, que és, homem?
Poderia se dizer que és
Vendedor de rendas e ilhoses?
Não, decerto.
Não sabia o preço das fitas
Dos tubos de linha e
Das linhas de crochê.
Podemos dizer não és comerciante?
Não sou, lhe afirmo
Não soube lidar com dinheiro
Embora tenha aprendido
Equações até do segundo grau
Não me vinha rápido na cabeça
Os resultados da aritmética
Para acertar correto os trocos
E me eram torturantes os cruzeiros,
Cruzados, cruzados novos e centavos.
Deves ser, afirmo, criador de gado.
Isso é que jamais seria, meu senhor,
Não me acostumei a montar cavalos,
A minha paúra deles os faziam ficar
Irritados – não permitiam os cavalgassem –
E, por vezes me derrubavam.
Ademais, tinha pavor de bois e vacas
Eles sentiam os cheiros de meu medo
E me atacavam – não me reconheciam
Nos seus carinhos de dono e cuidador
E nunca me interessei em aprender aboiar
(Que bobo, fui! Poderia agora saber
Cantarolar canções mui belas.)
Presumo prestes serviços públicos.
Já os fiz, ora pois, e não foram bons dias
Não pelos serviços prestados,
Me desdobrava para fazer o melhor que podia
E para servir às pessoas dependiam de meu trabalho.
Mau era sempre ambiente de trabalho e
As relações com colegas – não me sentia bem
Com eles, talvez percebessem ou soubessem em mim
Não ser o homem queriam que eu fosse
Pois sou o homem que sou e isso é
Minha profunda identidade.
Penso lhe perguntar mais uma vez
És professor, ensina alguma coisa a alguém?
Tenho a lhe dizer dei aulas em algumas escolas
Por um tempo lecionei
No entanto, minha saúde me demoveu de tão árdua
Tarefa – os livros agora são tão somente para serem lidos
Mas, diga-me, homem, o que és, afinal?
Deixe-me adivinhar, és literato, escritor, poeta.
Respondo negativamente, bom homem.
Não posso ser comparável a Machado de Assis
Nem a Guimarães Rosa, nem ao menos a Camões.
Vou lhe dizer então,
Sou costureiro.
Então, sim, és alfaiate, costuras roupas
Não, senhor, sou tecelão
Disseste ser costureiro, porém tecelão
Está próximo como afazer
Teces panos, tecidos, tapetes.
Não senhor, não teço esses materiais.
Sou costureiro e tecelão de versos
Vivo versejando e, pois sim,
Costuro versos, teço palavras,
Sou um versejador.
Ainda em dúvida por suas respostas
Tenho a te fazer mais perguntas
Sinto ser artista
Quem me dera, senhor.
Seria com muita alegria
Talentos não vieram comigo
Para tais empreendimentos.
Pois então, dize-me se és ator?
Gostaria de saber se estais
Interpretando para me responder.
Lhe asseguro não ser comediante,
Bom homem, nem atuante de dramas
Intentei estar nos palcos
Incorporando outras vidas
Dizendo textos escritos por dramaturgos
Na sétima série, um colega me disse
Vais fazer papel de escravo ou ladrão
Ou desviante do sexo normal
Isto me veio como três baldes gelados
De h, dois, O, bem cheios, pelas tampas
Não fui aos palcos
Excetos em poucos dramas da
Igreja – já não me lembro mais as personas.
Bem me disseram tiras fotografias
Portanto, és fotógrafo.
Ai de mim, senhor,
Não ouso me comparar a
Sebastião Salgado, Walter Firmo,
Claudia Andujar, Marc Ferrez,
Pierre Verger e tantos outros e muito menos
Ao mestre Militão Augusto de Azevedo.
Como então te intitulas
Já que tiras tantas fotos?
Sou um olhador com uma
Lente de um celular, senhor.
Talvez um bem-intencionado
Ladrão de almas pelas imagens
(Um outro ladrão perdoado pelas
Graças do Bom Senhor Jesus Cristo,
Nosso Salvador nos céus eternos)
Na verdade, as coisas e as paisagens
Me pedem para fotografá-las e as obedeço
Como ao passarinho que fez todas as
Poses possíveis e quando eu o agradeci,
Me despedi dele e iria embora
Ele voou e se postou à minha frente no chão.
Eu lamentei minha pressa e o expliquei
Como as horas urgiam, as demais fotos
Tiraria da próxima vez que nos encontrássemos.
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 13 de janeiro de 2024.