23 Estações
Todo dia é dia e cada hora dura apenas até a chegada da próxima, pensei nisso pela primeira vez no trem, ramal Japeri: Central do Brasil, Praça da Bandeira, São Cristóvão, Maracanã, São Francisco Xavier, Riachuelo, Sampaio, Engenho Novo, Méier, Olímpica de Engenho de Dentro, Piedade, Quintino Bocaíuva, Cascadura, Madureira, Oswaldo Cruz, Prefeito Bento Ribeiro, Marechal Hermes, Deodoro, Ricardo de Albuquerque, Anchieta, Olinda, Nilópolis e Edson Passos... é bastante tempo para pensar no que pode vir a acontecer. Tempo suficiente para se sentir sozinho, para se perder no caminho, para viver outras viagens sobre aquele trilho e nessas 23 estações, diariamente, sentia diversos sentimentos parecidos ou paralelos que me ensinaram a vagar. Sim, vagar, ser ninguém, não pensar ou pensar muito sobre quem eu sou ou posso ser, admirar a passagem de alguém que nunca mais verei ou simplesmente ir e vir nas mesmas histórias. Vi despedidas rápidas e outras sentidas, vi beijos, vi roubos, vi planos, vi medos, vi centenas de pessoas, as quais não reconheceria hoje, mas que nunca poderei esquecer.
Passei horas no transporte púbico, três horas de aula na faculdade equivalem a quatro horas no transporte; já pensei em desistir, já chorei, já reuni forças que não acreditava ter e em várias vezes me alegrei com o que vi por lá. Gente como eu, gente que acredita, gente que aproveita, gente que tenta, gente que não tem o que fazer e segue... gente que segue, porque é sua única opção e que fazem dessa opção a melhor possível, porque não tem outro jeito. Gente que sempre dá um jeito, eu conheci muito de mim mesmo no transporte do Rio de Janeiro. Saindo da baixada direto para o Centro, pensando que um dia minha mãe fez esse mesmo caminho e meu pai também e a mãe de meu pai também, mas não a mãe de minha mãe; ela não confiava nos transportes, mas eu sim.
Vivi todos esses caminhos quando ainda era criança, esperando que minha mãe chegasse à noite e vendo ela sair pela madrugada, vi os moços que vendiam as balas que ela trazia, os homens que entravam bêbados no trem às sextas feiras, as outras empregadas domésticas que entravam em São Cristóvão, como minha mãe e era impossível não reconhecer. Eu queria ter medo dessas coisas, ter medo da distância, medo de me perder, mas toda vez que vou para longe, acho um pouco de mim. Carrego uma certeza ou esperança, de que nasci para ir embora, mesmo sabendo meu lugar. Não sei bem de onde e para onde e não me obrigo a querer entender, mas para mim o “aqui” não existe e eu vou embora e levarei e trarei cada vez mais sorrisos.
Acredito que a melhor parte de sair é ter para onde voltar, acredito que todo tempo se diminui na volta, a ansiedade para estar no mesmo abraço, no mesmo chão, mas no meu caso, eu volto para mesma memória daquela senhora e posso olhar com gratidão ao caminho que ela fez, aos dias e às horas que ela esperou terminar até que chegasse a minha vez.