DAS FACES OCULTAS DAS CORRENTES
Soa um Cuco algo rouco
feito de madeira dura,
já sem reflorestamento.
Seus ponteiros cegos parecem correr a esmo
algemados no mesmo tempo de sempre.
Apenas obedecem ao giro das horas que,
como o todo, acreditam
ser plenas
e livres.
São eles sempre pontuais e exatos,
obedecem ao que ninguém vê.
Mas preveem.
Alguns poucos apenas o ouvem...sem entender.
Vi uma flor que, em meio ao dióxido de carbono,
se esforçou para florir.
Na atmosfera cinza
a resistência lhe foi enorme
para enfrentar os espinhos.
Faltou-lhe água.
Flor de cactus, talvez.
Venceu no silêncio árido.
Mais ninguém viu.
Nem ouviu.
Tampouco aplaudiu.
Um peixe nadou desavisado
todo visivelmente livre...
na também liberdade fictícia dum rio.
Inflou suas guelras e comemorou.
Era livre... como poucos!
Seu rio lhe dizia fluir como toda liberdade devia de ser...
e o peixe nunca soube haver
correntes movediças que aprisionam.
Sem consciência, foi engolido por elas...correntes sem faces.
Arfou e boiou, no furto impiedoso do seu oxigênio.
Ninguém o socorreu.
Porque ninguém entendeu.
Nem se arrependeu.
Não deve ser fácil ser prisioneiro do invisível.
Uma águia de asas amplas e olhar afiado
bicou toda a vida ao nascer.
Acreditou que tudo podia.
Alçou seu voo de dominância.de asas amplificadas
e se gabou da liberdade única.
Sem perceber, num certo revés das correntes,
se asfixiou na fumaça da mata...
Justo ela!
Algemada pela nuvem dum fogo no topo da cadeia alimentar.
Tombou ,
sem nunca se aperceber ser uma Fênix, presa acorrentada.
O Homem, certa vez, ouviu as notícias.
Disseram-lhe, bem de longe em voz piedosa...
"a você cidadão do mundo, toda a liberdade de direito!".
Acreditou na perspicácia falaciosa do seu igual
e se empoderou de ser Homem livre.
Bradou,
Bateu no peito!
Reivindicou,
Pintou a vida.
Grafitou os muros do mundo!
Deixou sua marca que acreditou ser indelével...
Mas fez poesia de verso vazio, sem nunca notar.
Nunca lhe prestaram condolências...
Elaborou sua liberdade
até na moderna arte de parecer livre;
na plena liberdade fictícia
de acreditar fluir na corrente apertada do existir.
Como se, numa tela, fosse ele Homem livre para sempre,
em todas as cores, formas, volumes e texturas.
Ninguém assinou embaixo.
Acreditou na melhor promessa
e foi dormir acreditando que podia se libertar de toda a amarração.
Mero Cidadão simplório, preso às correntes do mundo
que tudo algemam
no politicamente correto do tudo vigiado e exigido;
Até para se esmorecer acorrentado no invisível.
Certo dia morreu agonizante,
algemado nas correntes mundanas
que nunca lhe mostraram as caras.
Morreu feliz e acorrentado.
Nem estranhou. Até se aplaudiu...
Tampouco ouviu lhe soar o mesmo Cuco rouco,
de verso obediente
em meio a toda poesia.
Qual lamento à liberdade fictícia cantada;
a que sequer os relógios ousam desafiar.
Apenas badalam as algemas sem faces,
as que nem o tempo arrebenta...
Relógio é como a liberdade do todo...
Prefere apenas correr parado das tantas horas algemadas,
as que, sem perspectivas, nunca saem do lugar.
Mas um dia,
sempre chega a exata Hora que anuncia: Tempo é plena lucidez.