Crise de identidade

Eu não sei ser outra pessoa.

Posso diminuir o volume, prestar mais atenção

Posso sorrir em intervalos maiores,

Calar meus pensamentos.

Posso apenas seguir os movimentos

Ou deixar a posição de liderança.

É possível aceitar a derrota,

Ao apagar a vitória de minhas lembranças.

Eu aceito ir, mas somente até certo ponto;

Vou parar de rir dos nossos desencontros

E começar a dormir mais cedo.

Eu posso comer alguma coisa, ou comer um pouco menos

Eu consigo devotar mais tempo ao seu problema;

Eu não sei o resultado ou como resolver nosso teorema,

Mas posso trazer canetas para tentarmos juntos.

Mas eu não posso...

Ou melhor,

Eu não consigo

Desaparecer.

Vá por mim - eu já cansei de tentar.

Esgotei todas as possibilidades.

Bati em todas as portas dessa cidade,

Mas nenhuma delas resultou em resposta.

Meu sorriso espantava, meu barulho incomodava

O único ruído que escutava

Eram das janelas da rua que iam se fechando.

Tentei substituir.

Versões mais brandas em primeiro,

Violentas mudanças de segunda,

As terças, quartas e quintas tínhamos colapsos,

A sexta chegava e eu era meia dúzia;

Os fins de semana passavam num estalo,

E o começo dela era sempre a mesma explosão.

Já tentei chegar e conversar,

Chegar e ficar quieto. Ir embora me despedindo,

Deixar o recinto e ir para casa direto.

Já parei para conversar, já corri para evitar conversa

Já sai pela porta da frente, do fundo, pelas frestas;

Algumas vezes pelo ralo, mesmo que nem sempre por este caminho;

Outras vezes eu sequer compareci,

Fiquei em casa.

Sozinho.

Semanas conversando com o sol,

Apenas para achar na lua minha verdadeira companhia.

Me apetecia cuidar de uma vida,

Mas sempre que plantei flores

Colhi ervas daninhas.

A motivação existe até a segunda página,

De um livro naturalmente escasso e sem conteúdo.

Mesmo assim, sem espaço para mais nada,

Apesar de desejar ter um pouco de tudo.

Que foi, inclusive, minha última vítima:

A abstenção do desejo.

Calar as vontades, silenciar as vozes;

Os verdadeiros algozes de minha sina,

Cuja dissolução eu almejo.

Da minha existência tenho quase nenhuma certeza,

Existindo apenas uma que vejo e prevejo:

Sou, na melhor das hipóteses, uma caricatura

De um pobre coitado sem formosura,

Cujo brilho é apenas um lampejo.

João G F Cirilo
Enviado por João G F Cirilo em 21/06/2024
Código do texto: T8090454
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.