A vó

A vó de um amigo meu, a Dona Silvina

Morreu em uma tarde de segunda-feira.

Fumava um cigarro atrás do outro

E ouvia seu radiozinho na cozinha.

De certo que gritava com um neto,

Espantava um gato que pulou o muro.

Pegava da carteira outro cigarro

E balançava-o no ar com esperteza.

Ela era tão magrinha! Nunca a vi

Mas sei que ela era magrinha

E com o vestido cor-de-rosa

Esperava a janta para deitar-se.

Acordava nas madrugadas frias

Para pitar e lembrar dos dias

Em que era nova, e esquecida

Passa a imaginar cenas da vida.

Via-se bela a dançar nos salões

De um interior pouco conhecido

E os moços, jovens e senhores

Disputavam no baile a sua mão.

Olhava-se no espelho de seu quarto

E via seus cabelos morenos e viçosos

Que corriam por seus ombros magros

Em cachos invejáveis a qualquer amiga.

Dançava a canção sempre faceira

Longe de casa e longe dos parentes

Que mantinham nela olhos certeiros

Para assegurar-lhe a casta decência.

“Hás de casar um dia, minha senhora

Com um moço bom e respeitoso

E hás de ter filhos e muita alegria

Com tua família rica e abençoada!”

O padre dizia, e hoje, nem isso

Ela lembrava mais, pois está velha;

Só os netos e os filhos lhe acercam

E faziam festas e junções aos domingos.

E morreu assim, quem sabe tranquila

De ver que tudo não foi em vão

Sempre decidida em ter em seus dias

Os antigos valores da vida d’então.

Pasquali
Enviado por Pasquali em 19/06/2024
Reeditado em 15/11/2024
Código do texto: T8088976
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