Silêncio, uma utopia.

Quero um pacto com o silêncio

E vou inventar o novíssimo e revolucionário

- antiruidômetrosintomáticoperiféricocataclismático -

Um aparelho anti barulho que vai calar o mundo

Sempre quando eu precisar de paz.

Eu tenho necessitado de silêncio,

Mas não o acho.

Ficou caro. Ficou raro.

A oferta é pouca, a procura é muita.

E já não se acha em prateleiras de mercado.

O silêncio de quando tudo começou

Faz falta. Não existe por essas bandas.

Aliás, banda nenhuma toca em silêncio.

Vou inventar a revolucionária banda

- silenciosamenteruidosacautelosaemelismática-

Seu sintetizador vai cobrir todo o barulho

com o magistral não-som!

Olha que beleza!

Por mais que vocalistas cabeludos

Quebrem os pescoços sacudindo

E berrando ao microfone,

A fabulosa sonorização

Capta o som e o transforma no mais deleitável

SILÊNCIO!

Por quê? Porque o silêncio virou uma utopia,

E uma loucura.

Já imagino coisas impossíveis e formidáveis.

Quem me dera poder agora desfrutar

Do único som que me interessa no momento:

O "ploc" de uma uva se rompendo

Ao contato com meus dentes,

Sem sujidade nenhuma, sem interferência

De panelas chiando, martelos batendo

ou carros buzinando na rua.

Eu queria poder degustar um som gastronômico

- Essencialmente e saborosamente -

E para isso só vejo uma saída:

Vou inventar o mais que revolucionário

- aparelhoselecionadordesonsagradáveisaopaladar -

Para poder ouvir só o que eu quero,

Inclusive fugir das fofocas,

Das maldades e só escutar coisas deleitáveis.

Ah! E comer ouvindo as pequenas explosões

Em minha própria boca.

Pois é, o silêncio ficou raro

E ficou difícil higienizar nosso ambiente sonoro.

Ouvir o que a gente gostaria

É um privilégio para poucos.

Não ouvir nada, é raridade que vale quilos de ouro,

E eu pagaria se pudesse.

Mas aí teria que inventar a revolucionária

- maquinafazedoradeouroparacomprarosilêncio -

Já deu, né?

Navegar em ondas sonoras sem nenhum crítério

Dá nisso...

A gente fica meio acelerado,

E meio ranzinza.

Quando não naufraga e é engolido

Por um mar de notas.

No meu caso, emito uma:

Dó!

Porque tenho pena.