Não penso que vivi
Não penso que vivi
Fui somente um pensamento de um milésimo de segundo
Diante dos bilhões de anos do universo
Não penso vivi
Fui somente um mínimo de decibéis daquele sonido mais suave
E nem a mais potente audição captou
Não vivi
Fui somente a imperceptível nota sublime
Tocada pelo violinista mais notável
O instrumentista mais hábil
Ou o pianista que faz o piano flutuar de tanta leveza nas mãos
Não penso que vivi
Fui somente o primeiro movimento do bater das asas de uma nascente borboleta
Como ocorre com a primeira energia de voo do filhote de ave
Não penso vivi
Fui somente um pequeno pingo de uma lágrima teimando a cair
Uma gota de uma fina e fraca chuva, de uma garoa ou um sereno
Ou uma aguazinha a mais minúscula de um perfume raro do Oriente
Não vivi
Fui apenas o aproximar de um pequeníssimo pássaro que assoviou levemente
E tão belo e suave que só sua fêmea ouviu
E correu para seu aconchego para deixar vir filhotes
Não penso que vivi
Fui o cair de leve do pólen da abelha na pétala de flor para de novo florescer
Não penso vivi
Fui o tocar do biquinho do beija-flor a sugar o néctar das flores
E a sugar o néctar da vida
Não vivi
Fui apenas a quenturinha da mãe sentida pelo recém-nascido abdicando de chorar
Não penso que vivi
Fui tão só o quase invisível brilho de estrela longe lá no fim do céu
Daquela estrela a menor de todas já sem existir quando seu brilho tange os olhos
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 25 de agosto de 2023