Caldeira

Ouço os ecos de uma noite quente,

apartamentos parecem estufas,

asfalto derretendo pneus de carros,

ventilador dando pane por horas a fio,

todos esperando a chuva na janela,

torcendo por nuvens e trovões,

rodopiando em torno dos desejos,

sonhando com uma nevasca,

um ar condicionado natural,

patinação e bonecos de gelo,

cachecóis, gorros e luvas de lã,

chocolates quentes em canecas,

marshmallows assados em lareiras,

como em um filme de Hollywood,

mas o céu não ajuda, o calor sobe,

noite e dia em uma sauna sem fim,

nenhuma gota de água a amenizar,

é a vida do operário das máquinas,

é a vida dos pedreiros na construção,

é a vida da caixa do mercadinho de bairro,

é a vida do ajudante de limpeza urbana,

é a vida da professora com seus alunos,

é a vida que não oferece uma trégua,

rodopiando um turno atrás do outro,

sem refresco, sem piscina, sem folga,

só o calor de um verão eterno a arder,

onde estamos nessa linha temporal?

onde estamos nessa história coletiva?

onde estamos nessa realidade cansativa?

somos todos carvão nessa caldeira,

ardendo, ardendo, ardendo em chamas...