O TERCEIRO HÓSPEDE 19 FINAL

O TERCEIRO HÓSPEDE XIX

“É o Reginito,” disse ela, em desespero.

“Está doente, acho que vai morrer!...”

Chegando à esteira, pode logo perceber.

El Magro estava perante os pés parado!

Por um instante, ficou atarantado

e o outro o contemplou, de olhar severo...

Pediu uma cuia d’água e lha trouxeram

e dentro dela um pouco da água derramou;

deu-a à criança, que logo após sarou...

Contudo, o olhar de El Magro lhe fez ver

que água demais ali fora verter

e bem depressa ambos se entenderam.

Foi Macário cortar outra taquara,

que encheu inteira, tirando água do poço;

guardou a outra em seu telhado grosso.

Que era feito de bambu e de sapé.

Na água mágica, agora tinha fé:

“Não mexam nela!” falou, com voz bem clara.

O TERCEIRO HÓSPEDE XX

Mas os vizinhos que em sua casa estavam,

para a pobre Rosicleia consolar,

viram o menino depressa se curar.

E entre si ficaram cochichando...

Já no outro dia, o estavam procurando:

em sua rua outros doentes se encontravam.

Macário, no começo, recusava,

mas sua mulher se pôs a insistir tanto,

que teve pena de escutar-lhe o pranto.

Foi visitar as outras casas em sua rua.

Parado aos pés de cada esteira nua

El Magro sorridente se encontrava.

Macário então pedia um recipiente,

caneca ou xícara ─ e nelas derramava

uma pequena gota e a misturava

com qualquer água que por ali tivessem,

porque depois que os doentes a bebessem,

sempre sua cura chegava, de repente.

O TERCEIRO HÓSPEDE XXI

Todos ficavam muito agradecidos

e lhe traziam os presentes que podiam,

pois a cura quase todos conseguiam.

Porém se via El Magro à cabeceira,

ele dizia que a morte era certeira

e recusava todos os pedidos...

Passou-se o tempo, seus filhos estudaram,

Macário comprou nova moradia,

a cortar lenha nem sequer mais ia...

Pois a promessa de El Magro se cumprira!

E o pagamento que ele jamais pedira,

esses presentes amplamente compensaram.

Sua fama se espalhou pela cidade,

pela província e no país inteiro.

Diziam os médicos que era um feiticeiro.

Mas ele ia à missa com frequência

e os padres lhe mostravam deferência,

pois contribuía com regularidade...

O TERCEIRO HÓSPEDE XXII

Chegou-lhe a fama até o governador,

que tinha o título, então, de vice-rei

e governava o país com dura lei!...

Os cirurgiões se queixavam de Macário,

porque lhes reduzia o numerário

e o vice-rei os escutava, sem rancor.

Mas quando viu sua filha se enfermar

e os médicos não podiam fazer nada,

sua esposa fez-lhe súplica, alarmada!

“Você me pede ir chamar um curandeiro?

Que quer você com esse feiticeiro?”

“Acho que pode a menina nos salvar!”

Então, o vice-rei fez convocar

Macário, a que viesse à capital...

Este sabia não ter feito nenhum mal.

Porém tremeu de medo o lenhador:

levou consigo a taquara, com temor;

só um restinho no fundo a chocalhar...

O TERCEIRO HÓSPEDE XXIII

E lhe disse o vice-rei, severamente:

“Não acredito em sua bruxaria!

Mas minha filha se acha em agonia.”

“E minha esposa está desesperada.

Pois muito bem: se a deixar curada,

Dou-lhe grandes riquezas de presente.”

“Porém se ela morrer, como se espera,

saberei que não passa de um farsante

e o queimarei na fogueira nesse instante!”

“E seus bens eu irei todos confiscar.

A sua família prenderei para julgar!...”

Macário, só de ouvir, se desespera...

E ao ser levado ao quarto da menina,

o seu maior temor se realizou:

na cabeceira El Magro ele encontrou.

Que balançou-lhe a cabeça, em negativa.

“Esta menina não mais pode ficar viva,

está escrito que morrer será sua sina!...”

O TERCEIRO HÓSPEDE XXIV

Pediu Macário para ficar sozinho,

porque El Magro era só ele que via:

a mãe saiu, em grande gritaria...

E o vice-rei outra vez o advertiu:

as ameaças o próprio El Magro ouviu,

mas abanou sua cabeça, de mansinho...

Macário várias vezes suplicou,

pois perderia tudo o que lhe dera!

Zangou-se então, igual que besta-fera.

Virou a cama, bem rapidamente,

para deixá-lo aos pés, mas velozmente,

à cabeceira, El Magro se encontrou!

Ele tentou de novo, sacudindo

a cama inteira, até deixá-la torta!

Mas a menina já se achava morta...

E cada vez que a cama ele virava,

na cabeceira El Magro já pulava

e o vice-rei o barulho estava ouvindo!

O TERCEIRO HÓSPEDE XXV

E de repente, Macário percebeu

que a taquara na disputa se quebrara!

E que todo o conteúdo se esvaziara...

Então, exausto, caiu no chão, chorando.

Ficou El Magro, com pena, o contemplando

e seu velho coração se confrangeu...

“Meu amigo, fiz mal em lhe ajudar...

Nem mesmo eu posso vencer o Fado,

por mais que eu estivesse do seu lado...”

“O Destino sempre vem a se cumprir

e foi tolice sua, ao persistir,

depois que eu disse que não iria adiantar...”

“Mas eu sei bem o que irá lhe acontecer

e não quero que esse duro vice-rei

faça cumprir a sua perversa lei...”

“Não quero vê-lo queimado na fogueira.

Mas a morte da menina é verdadeira,

só há uma coisa que posso lhe fazer...”

O TERCEIRO HÓSPEDE XXVI

Então El Magro tocou-o sobre a testa

e tudo a seu redor se dissipou...

Macário na clareira se encontrou,

bem no momento em que partira seu peru.

E mesmo achando que ficara um pouco cru,

comeu-o inteiro, em verdadeira festa...

E só então El Magro apareceu...

Por um momento, Macário se lembrou;

logo depois, sua vista se apagou.

Cheio de pena, ele o tocou com a foice

e para vida melhor Macário foi-se,

mas com o estômago cheio ele morreu...

É sempre assim, quando nos chega a hora.

A maldição de El Charro se cumpriu,

de El Peregrino a bênção o nutriu...

Pois foi levado direto ao Paraíso,

nesse lugar em que há alegria e riso

e do qual nunca mais se vai embora...

EPÍLOGO

Reginito, porém, nem adoeceu

e a família inteira se criou:

cada vizinho um pouco os ajudou.

E quando acharam Macário na clareira,

comera até a migalha derradeira

o peru gordo que sua mulher lhe deu...