Primeiras Impressões da Vida Adulta

Caneta numa mão, queixo na outra

Enrolando os fios de barba com a ponta dos dedos

Arranco o primeiro fio branco, mas sem espanto

Pois todos os outros permanecem conectados

Pendurados em minha pele como um sinal;

Um alerta.

Recordo-me da explosão de sentimentos,

Do naufrágio da consciência,

E como nenhum dos dois parecem mais acontecer.

A calmaria, muito antecipada

Finalmente cravou suas garras

Nos confins da mente,

Surpreendendo um sistema complexo

Que até então desconhecia o silêncio.

Experiências que se amontoam,

Fornecem sombra para a ramificação dos galhos

Que vinham exaustos de tanto calor;

Que agora respiram aliviados

Escorados num apoio

Que antes deixava a desejar.

A flacidez dos músculos

O endurecimento da pele

A defesa mais simples que repele

As diversas flechas

Que conhecem o nosso endereço.

O fim da animosidade:

Um apreço pela passividade

Seguido da diminuição de nossa raiva.

A compreensão dos infinitos cenários,

A análise dos possíveis motivos;

O sossego de quem não se deixa levar.

E mesmo com os olhos cansados

Com a vista atrapalhada, borrada,

Estalos na mente e nas juntas,

Um corpo que aprende a boiar

Não afunda

Em mares agitados.

A tempestade aqui dentro já se foi faz tempo;

Meu pequeno barco voltou a velejar.

Num vai e vem cadenciado,

Escalando as muitas ondas,

Empurrado pelos ventos,

Balançando sem tombar;

Enfrentando as enxurradas,

Desviando das poças d'água,

Um enorme contentamento

Impulsionado pelo movimento

Que acreditei nunca mais desempenhar.

As impressões começaram há anos atrás,

Quando primeiro ganhei a permissão de me declarar

Adulto, para todos os fins cívicos e criminais

Mesmo que por dentro ainda fosse criança

Vislumbrado pelas coisas, enganado pelos meus iguais.

Quando caía sem data para aterrissar

Nas conversas mais fúteis e sem sentido;

Quando havia amigos em todos os cantos,

Mas nenhum que agisse de tal forma;

Quando buscava construir novas coisas

Sem antes terminar a reforma do meu eu

Que já era necessária muito antes de perceber.

Que se anunciava com o tic,

E que chegava com o tac,

Pouco a pouco fez de um jovem triste

Um adulto por partes

Que de alguma forma se costura

E se remenda quando dá;

A morte da inocência

Metade de uma vida.

João G F Cirilo
Enviado por João G F Cirilo em 18/01/2024
Código do texto: T7979100
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