Os Pássaros

Num dia qualquer, igual a todos os outros

Sentei pela calçada, com tão pouco pra quase nada dentro dos meus bolsos

Olhei pra essa estrada, enquanto calçava os chinelos e pensava:

"Pra onde será que me vou?"

E hoje já era a data marcada

Enquanto andava pelas ruas, escolhi uma sacada

A mais bonita que eu já vi, com flores fazendo um jardim

Subi as escadas, degrau por degrau

Pro ponto mais alto do prédio final

De final, digo fatal

Era o fim da caminhada

E da alta vista eu via

Eram poucos na calçada

E as cabeças nem se erguiam e tão pouco se importavam

Talvez se fosse um sábado, um domingo ou feriado

Mas hoje era segunda-feira, mais um dia qualquer, dia de trabalho

E nesses dias, ninguém olha para o céu ou para os pássaros

E nunca eu vi tantos pássaros

Que pareciam me olhar, mas sem julgar, sem reclamar

E que jamais podiam entender

O que estava pra acontecer

Então fiquei ali pensando por mais um tempo...

Os pássaros pouco ligavam, assim como os pedestres

Na verdade, ninguém jamais poderia prever mesmo

Era só mais um dia

De outros tantos que vem e que vão

E nada muda e nunca muda

E o tempo passa, aperta o coração

E de repente já não parecia tão alto e nem tão louca a decisão

No parapeito da sacada, me pendurei de uma vez só

E uma só vez senti um frio e a gravidade

Meus braços se agarraram com força nas grades

A respiração acelerava

Não era bem isso que eu queria

O chão ficou mais longe

Mas eu nunca tive medo de altura

E as pessoas haviam sumido

Estavam aqui a um segundo atrás!

Os pássaros haviam voado

Será que também não se importavam mais?

E de repente, minha visão, tudo escuro

As mãos agarradas na última esperança

De dias melhores...

Das coisas que eu fiz e pedi perdão e ninguém nunca ouviu

Dos medos que eu tenho e nunca disse e jamais vão saber

Vão dizer que fui covarde, que inventei, estão mentindo!

Nunca, nem uma só vez, eu quis que isso acabasse assim...

Mas se tiver que acabar, que seja agora, vamos!

Minhas mãos seguraram com ainda mais força

As grades rangeram

O peso era muito

E eu sabia, uma questão de segundos

E queria ir embora pensando ao menos que estava certo

Que esse mundo era incerto e que era justo fugir disso tudo

Que uma vez só eu poderia dizer que fui lá e fiz, mas pra quem diria?

E se houvesse a quem dizer, talvez não valesse a pena

E aí lembrei que não deixei nem sequer um bilhete

E que nunca iriam entender como cheguei aqui, a esse ponto

Então levantei a perna pra voltar pra dentro

O parafuso afroxou, as grades se soltaram

Eu vi do oitavo andar, as pessoas me olhavam

Chegavam cada vez mais perto

E cada vez mais rápido

E pus as mãos na frente do rosto

Fiquei envergonhado

O tempo acelerava

Vento uivava

Ouvi murmuros

Um som agudo

E logo não ouvi mais nada.

...

Senti o conforto de um travesseiro

Era bem melhor que os de lá de casa

Então abri meus olhos

E lá estavam os pássaros, não haviam me abandonado

E me olhavam da janela

Eles eram bem maiores do que costumavam ser

E logo ouvi um choro

Olhei para ver

Era do quarto ao lado, claro...

Não havia ninguém no meu quarto

Mas já era o esperado

Afinal, era só mais um dia

Um dia qualquer e não um feriado

No fim eu acho que não vou fugir daqui mesmo

Pois se eu fugisse...

Perderia a vista desses lindos pássaros.