DANÇA DO SANGUE
É o sangue fresco do meu corpo que mana
Dança, dança comigo, que esse sangue é chama
Ele me faz sentir viva, me faz sentir plena
Vermelho carmesim, assim ele drena
Faça o maior alarde, traga uma trena
Pra medir o quanto perdi pra fazer esse poema
Meça do começo do rastro até onde estão os meus pés
Pare perto, sem choro nem comoção e conte até dez
Que nós vamos dançar olhando o céu de cores pastéis
Olhando as gotas de chuva caindo nas teias e através
Pisando na água do meio fio, rasgando os ventos cruéis
Que atingem essa névoa onde rodamos em carrosséis
Tristes carrosséis, somos feitos sangue e mancha
Meu corpo é uma única ferida que se desmancha
E drena e sofre, e pus, e corte, dolorida é a minha aliança
Com essa vida, nunca tive escolha em nascer, insegurança
Dor é parte do meu nome, espero uma esperança
Meu corpo cansado diz "desiste", minha mente diz "avança!"
E minha humanidade diz: "dança, dança, dança!", em um desmaio
Sorria, gire, rodopie, só não solta meu braço que eu caio
Você está muito rápido, janeiro, fevereiro, março, abril, maio
Junho, julho, agosto, setembro passa e eu não saio
Não saio da névoa da melancolia, da dança me esvaio
Não suporto mais, não quero mais rimar, estou exausto
Outubro, novembro, dezembro, eu sempre me lembro: nunca desisto!
Mão na cintura, pés descalços, passos pelo concreto liso!
Uma rosa na boca, me segura, me roda, meu mundo é isto:
Um aglomerado de carne, sangue e musculatura em corte inciso
A névoa ventila meu sangue, o espirra forte pra longe
Pequenas gotículas vermelhas esporulam aqui e ali
Sangue, sangue, sangue, aponta onde dói, dói onde?
Deus tenha piedade de mim, pois sou dor e assim fui desde que nasci!
Meus dentes ensanguentados, um beijo e essa dor acaba
Temporariamente! Aí vem mais água, água que deságua
Dança que o sangue não para, dança do sangue, da água
Da água vermelha que segue meus pés, que se torna gelada
Minhas veias perdem os sinais, meu corpo é fria geada
Meus pensamentos não correspondem aos de uma pessoa acordada
Eu já estou morta? Quando eu morri? Não importa!
A ninfa ensanguentada te convida a dançar, bate na sua porta
Bato e peço: dança comigo! Pela chuva, pela natureza morta
Pelos quadros de Munch, pela dor miserável e torta
O frio dilacera meu corpo, perfura meu torso, rasga minha aorta
Rasga, picota, dilacera, esfarela, mói, tritura, derrete, corta
Mas se eu parar de dançar eu choro então eu permaneço
Sorrio, a dança do sangue eu não esqueço
Sou perita em sofrer e disso não me impeço
Não sei impedir, nem sempre compareço
Às vezes só meu corpo dormente dança, travesso
E minha alma dorme dentro de mim, sem peso
Já pesa demais estar tão ferida nesse mangue
De sangue, peço a mim mesma que não se zangue
Pois logo terá mais dança, mais música, mais balangue
Mais passos, mais voltas, mais giros, mais romance
Rosas sangrando em sua boca, meu par dançante
Sangue, sangue, sangue, sangue, sangue, sangue!
Passa ano, década, século, milênio, lembro: nunca desisto!
Mão na cintura, pés descalços, passos pelo concreto liso!
Uma rosa na boca, me segura, me roda, meu mundo é isto:
Um aglomerado de carne, sangue e musculatura em corte inciso
A névoa ventila meu sangue, o espirra forte pra longe
Pequenas gotículas vermelhas esporulam aqui e ali
Sangue, sangue, sangue, aponta onde dói, dói onde?
Deus tenha piedade de mim, pois sou dor e assim fui desde que nasci!