No Alvorecer das Ideias

Um completo silêncio se instaura durante a madrugada

Estão todos dormindo (nem todos)

Um estalo surge

E se vai...

Muitos virão pela frente

No ar frio que espera o calor da manhã

Em um lugar qualquer

O primeiro raio de luz atinge o primeiro ponto da superfície

A criança abre seus olhos

Um mundo de cores que nauseiam a mente que a pouco fora vazia como a madrugada

Invadem o paladar do olhar

É lindo

É realmente lindo

O Sol que já ilumina mais que meia calçada

Oh, poderoso Sol que sobe no horizonte cinza

E o mundo faz seu movimento

Os carros saem de suas garagens

As pessoas nos pontos de ônibus

O grande mecanismo a se mover

Engenhosamente

Quase que planejadamente

E a mente desperta com mais um estalo

E o eu se mostra eu quando a criança se olha no espelho e se vê

Sente presente cada movimento

O volume de seu som

A beleza de sua vista

E as cores já não nauseiam mais

Já são passado...

E o mundo é gigante

Mas não como o que nós já estamos acostumados hoje

Nesse mundo eu ainda era gigante

Tão gigante quanto o que me rodeava

E a cada nova descoberta diminuí de tamanho

Talvez, quem sabe, pra caber nas expectativas de quem me observava

Talvez, porque já estava cansado de tentar entender as coisas que eu não sei

E veja, ainda não sei

E não sei muitas coisas

E diferente do alvorecer das ideias que tive, naquela manhã

Quando nasci

Quando abri meus olhos

Hoje eu não procuro mais saber

Procuro caber numa caixinha que me deram

E é tão confortável, mas

As palavras ficam

Pequenas aqui

E não dá

Pra completar

Um raciocínio

Pra que pensar fora da caixa?

Tem muito espaço lá fora

E eu me sinto pequeno demais pra alcançar qualquer lugar

E o Sol já reparte o dia no meio

O meio-dia!

E é só o começo

E todo o dia eu penso, mas esqueço

O tempo passa e a memória da criança percebe mais as coisas

E se esquece de esquecer

E é aí que a gente aprende

Mas é aí que a gente aprende...

Infelizmente, só voltaremos a esquecer quando a morte já estiver muito perto.

No anoitecer das ideias.

E agora já chega o fim da tarde

A criança ri e se empolga

Seu primeiro dia de aula

Os barulhos, as risadas

Crianças pulando as linhas da calçada

E de repente me vejo andando na linha

Quieto

De cabeça baixa

E já faz tanto tempo

Que eu nem sequer consigo levantar minha cabeça

Cãibra

E todos andam por aí de cabeça baixa

E os mais altos acham que mandam nos mais baixos porque enxergam suas cabeças baixas, de cima

É a Sociedade dos Cabeças-Baixas

E foi aí que eu encontrei essa caixinha

E aqui dentro é muito bom

Só não tem Sol

E que saudade desse Sol...

Toda manhã

Quando explorava o mundo

Quando olhava a sua imensidão e tinha coragem e não covardia

Mas faz tanto tempo...

A noite finalmente chega

Com ela a criança acende o abajur e espera pela cama

As estórias de vilões, heróis e princesas

Eram um sonho

Onde está minha princesa?

Onde está minha espada?

E onde está o vilão?

Eu sempre escrevo a mesma coisa

E nunca

Nunca aprendo a lição.