VERDADE

VERDADE

Domingo de manhã,

Feira hippie em Belo Horizonte,

Andando normalmente com minha mochila,

Encantada com toda vista,

Sentindo todo o calor que BH propicia,

Um senhor passa por mim e diz:

“Sua mochila está aberta”,

Trago minha mochila para frente,

E por um instante, um momento, você sente,

E então não sente,

A verdade ali, nua e crua,

Estampada na minha cara,

Não estava preparada,

Meu celular roubado,

Todos os caminhos possíveis,

Meus vídeos,

Poemas perdidos nas anotações,

Fotos nunca salvas em outras constelações,

Eu perdi,

Eu perdi,

E cada pulsação em confirmação ao acontecido,

Sinto a natureza parando e gritando,

Minha visão perdendo cores vivas e se turvando,

Não há o que sentir,

Não há o que solucionar,

Também não tem como se sentir bem,

Só que gritar não vai fazer voltar.

A verdade é que não estamos preparados para verdade,

Por isso sempre deixamos ela para mais tarde,

Você pode até fingir e dizer que não,

Só que é impossível mentir para sua própria visão.

Era sexta-feira a noite,

Um cara de outra cidade vem me ver,

Saímos e ele me convida para ir no motel,

Não queria ir, não estava nada preparada,

Queria apenas conhecer e conversar com ele naquele dia,

Porém o argumento dele de que veio de outra cidade,

Para ir embora sem sexo,

Me convence de uma maneira,

Então vamos,

Um dos piores sexos da minha vida,

Senti tanta, mais tanta dor,

Falava que estava doendo e ele apenas pegava meu pescoço

E apertava,

E quanto mais falava, mais apertava,

Então decidi me calar,

Imaginar que estava sendo tratada com carinho,

Transmutar a sensação,

Imaginar o arco-íris em cima de mim foi uma consolação.

Quando acabou minhas pernas tremiam de uma maneira que nunca tremeram antes,

Nem mesmo as piores crises de ansiedade conseguiram deixar ela daquela maneira,

A parte da frente da minha calcinha estava toda molhada,

Mas dessa vez não era de tesão, era urina,

Eu simplesmente não sabia o que sentir naquele momento,

Eu não sei uma palavra para o que aconteceu naquele dia,

Mas nunca um sexo ficou doendo por tantos dias.

E infelizmente tudo sempre pode piorar,

Na hora de pagar o motel ele disse que ia baixar o aplicativo do banco,

Então ele “de repente descobre” que para usar aplicativo no celular precisa autorizar,

Pergunta para o moço da portaria o que precisa fazer pra ir ao banco,

O moço diz que precisa deixar algo de valor,

Ele pergunta se eu poderia deixar o meu celular,

E então por um instante, um momento, você sente,

E então não sente,

Tinha praticamente 15 dias que eu tinha sido roubada,

E estava com o celular da minha mãe,

Nunca que iria deixar,

Mas quando ele começou a falar,

Sobre como foi difícil vir me ver,

E que precisava autorizar o celular dele para colocar gasolina,

Eu realmente senti dó dele,

E pensei que não seria nada demais tentar ajudar,

Deixei meu celular.

Vamos ao banco,

E assim que ele para a moto em frente ao banco,

Eu desço primeiro,

E no mesmo segundo ele sai disparado de moto como um bandido,

Não estava preparada para aquilo,

Aquela verdade nua e crua estampada em um telão,

É como passar um filme,

Um déjà vu,

Uma dupla visão.

Então ficamos eu e meu capacete parados,

E a única frase que passa na minha cabeça é:

‘Ele vai roubar meu celular,

Ele vai roubar meu celular.’

Sorte que tinha um anjo do meu lado,

Um amigo chamado Bruno,

Por coincidência estava pegando sua moto em frente ao banco,

E apenas ele é capaz de me levar lá correndo,

Batidas rápidas,

Trêmulas, e muita explosão,

A coisa que mais odeio é andar com alguém correndo de moto,

Mas naquele momento não havia nenhuma outra opção;

Chegamos lá e,

Meu amigo me empresta o valor do motel,

Pago e recupero meu celular,

Ele não roubou,

Ainda sim cometeu um crime,

Apenas queria transar sem pagar o lugar,

Queria me levar para algum cantão como dizia ele e transar,

Mas como não aceitei,

Ele achou melhor golpear.

Estava tão emocionada por alguém fazer questão do mínimo do mínimo,

Já que normalmente nem um lugar bem mais ou menos querem pagar para gente ficar,

Correndo contra as estatísticas,

E elas vêm mesmo quando estou parada,

Poderia ter ficado sem minha vida mais uma vez,

Acho que Deus está me dando outras oportunidades.

A verdade é que não estamos preparados para verdade,

Por isso sempre deixamos ela para mais tarde,

Você pode até fingir e dizer que não,

Só que é impossível mentir para sua própria visão.

Vívian Souza
Enviado por Vívian Souza em 14/10/2023
Código do texto: T7908357
Classificação de conteúdo: seguro