Percalços
Perdi a identidade,
Não sei mais quem sou,
Um número?
Indigente social,
Não me enquadro,
No novo contexto humano.
O "eu" primata,
Agindo por instinto,
É o que em mim restou.
Regras de comportamento,
Padrões sociais,
Rotinas,
Para manter o inexistente coletivo.
Criam outra narrativa,
Distorção de toda história,
Sociedade de proteção aos lobos,
Querem a extinção,
De todo e qualquer indivíduo.
Criamos rótulos,
Bulas,
Razões,
Nos ajustamos,
À base de comprimidos.
Erguemos as próprias prisões,
E escondemos o que somos,
Para permanecermos vivos.
Quero voltar a ter medo do escuro,
Sentir a proteção de um abraço de mãe,
Criar meus próprios monstros,
Correr com pés descalços,
E que os percalços,
Sejam alguma pedra esquecida,
Cercas de espinhos,
Uma bola que parou no telhado de algum vizinho.
Quero a liberdade de escolher minhas próprias brincadeiras,
Quero o vai e vem da rede,
O balançar de uma cadeira.
Quero a manteiga derretida em um pão quentinho,
A felicidade de ir a praia,
Construir castelos,
Para um rei,
Que vaga sem destino.
Não quero o peso do tempo,
Me deixem sentir o vento,
Despertar em mim a criança,
Que anda adormecida,
Sonhando com a esperança.