A TRAVESSIA DO ESPELHO

 

Entrei no interior do meu espelho fosco,

Procurando encontrar minha identidade,

Mas tudo que achei foi um reflexo tosco,

De um lugar que parecia ser uma cidade,

Onde uma multidão de seres sem rosto,

Tentavam ocupar a mesma propriedade.

 

Então descobri o quanto era insensata

Essa louca procura por um rosto só meu

Onde eu fosse um ato e não a mera ata,

De algo que há muito tempo aconteceu.

Ou então apenas uma simples duplicata

De uma conta que quem fez não fui eu.

 

E mais ainda quanto podia ser enganosa

A verdade que se hospeda em um nome.

Porque a idade  é como a matéria gasosa,

Que basta esquentar que ela logo some.

A existência também é uma coisa porosa,

Seca rápido e não agradece o que come.

 

Quando se chega ao fim de uma estrada,

É bom não ficar olhando muito para traz;

Porque o tanto que se andou não foi nada

Mas o que se deixou de andar foi demais;

E se vê que a vida é a revista emprestada,

Que o tempo leva mas não devolve jamais.