"De vez em quando Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo."
procuro uma palavra qualquer que me empurre para dentro de um poema
procuro algum ponto incerto na cidade para que eu encontre o poema
passo horas na beira do rio, faço suco de acerola com coco de manhã,
ando pela feira lotada aos meio dia, experimento um vinho novo no jantar e leio notícias do meu país em busca de um poema
pedalo, corto as unhas, me sento no quintal, vejo pássaros em bandos cruzando o céu quando subo o segundo andar, lavo as cuecas e boto o lixo para forma, como já dito, em busca de um poema
e passo horas aqui entre a minha matéria, a tinta da caneta e as placas tectônicas do papel,
esperando um poema parido a força
mesmo que seja um fragmento, desses em migalha, uma doação a um necessitado, um chão para um desterrado,
um restinho que seja de um poema
eu queria um poema que passa-se o dia abusando de mim
que me pegasse pelas mãos, por trás, pela frente, pelos olhos, pela língua
mesmo que fosse um desses mudos que eu via passar sempre no bairro universitário
ou no palco aberto da praça
eu queria ao menos ver um poema passar,
mesmo que seja um desses que
nunca chama para a dança.
"A dança é a poesia com braços e pernas"
Charles Baudelaire
O titulo do poema são os primeiros versos do poema "Paixão" de Adélia Prado.