Me perguntaram como é ser passarinho

sem voar pelos campos e montanhas preferidos...

É como morar num calabouço,

sempre na escuridão, sem ver a luz do sol.

Mesmo sabendo que ele brilha em algum lugar...

não poder vê-lo e sofrer por não ter seu toque de luz e calor.

 

Então me perguntaram como eu poderia saber

que o sol brilha se vivo na escuridão.

Em minha reflexão, disse que com o tempo

não há mais como reconhecer as cores de sua luz,

mas que sinto que ela está lá e brilha suas cores para alguém.

 

Então, lembrei da mulher cega* que um dia podia ver.

Ela pode ver a vida com seus olhos...

Agora, cega, ela diz que não vê mais em cores.

Só vê cinza. Ela não tem mais a memória das cores.

Não consegue imaginar, embora saiba que o vermelho é vibrante.

Ela tem o sentimento de quando via o vermelho,

de que ele era vibrante e sente a emoção

que isso lhe causava, mas, não sabe mais como ele é.

 

Viver no calabouço é assim.

Você vai perdendo as cores de teus sonhos.

Embora continue sentindo a emoção delas.

Os sentimentos se aquietam,

vão ficando cinzas também, mas, continuam lá...

 

Então quando alguém chacoalha as correntes dos grilhões...

dói sempre de novo... dói tudo outra vez...

porque você sabe que não pode mais ver.

Sabe que não pode mais tocar o que tua alma tocava... 

 

Hoje, alguém chacoalhou essas correntes

e eu percebi, de novo, que vivo na escuridão,

mesmo sentindo o toque da lua branca

iluminando o dorso da montanha na escuridão.

 

Eu sei.

Existem passarinhos que continuam de asas abertas,

voando os sonhos pelas nuvens.

 

E eu também sei:

não posso mais voar, nenhuma palavra,

porque minhas asas se recolheram ao redor de meu coração...

para protegê-lo da dor de não mais tê-las a voar...

 

Mas, eu sei.

Você ainda voa.

Ainda sonha...

E isso alenta luz

para os calabouços escuros

da minha vida...

 

*Mãe (in memorian)