Sou mulher de ninar, se é isso que procuras em tuas andanças, encontrou.

Estou sempre um passo a tua frente, és meu costado,

meu recosto e se te mandam andar é porque sabem

que, andando, um passo, um só, podemos uma mulher de ninar encontrar.

 

 

Ela não está em todos os cantos, nem no canto dela,

esse está ocupado com quem mandam andar.

Ela está, geograficamente, localizada no canto adjacente ao teu,

ao lado de uma gráfica, à frente de uma capivara dourada e peluda.

Um pouco a sua direita, junto à parede de cimento,

um homem feliz, usa óculos, sorri pelos olhos a sua alegria de a ter ali,

mesmo que ela não veja ele olhando pra ela.

 

É nesse canto que a vais encontrar, tem um mundo a frente dela,

que ela já derrubou uma vez, tem canetas coloridas, pincéis,

papéis e tem um bilhete amarelo na meia parede, que ela lê todos os dias.

 

Ela está rodeada de xícaras que ela sempre lavou

e agora, ainda lava, pra ele seu tay tomar.

Ela levou sua xícara, para tomar o seu tee,

mas ainda não teve oportunidade,

porque a erva leva tempo para curar dentro da xícara.

Mas a xícara tem seu nome e está lá guardada sem usar

pra quando juntos resolverem tay e tee tomar.

 

O canto dela ainda tem cheiro de incenso, que ela toca quando está sozinha

e cheira para sentir os cheiros que ele gosta.

Tem cactus que já morreram e que ela tentou embelezar, arrumar.

Outros que estão à míngua, justo os dela, que ela vai cuidar e fazer ressuscitar.

No canto dela tem uma geladeira que ela nunca abriu,

uma chaleira que ela sente a quentura do vapor, tem um mapa e fotografias,

tem coisas tão íntimas de uma vida, as miniaturas por sobre o quadro,

bem no cantinho ela se encontrou, numa flor amarela num pote verde...

Tem uma máscara de palhaço sobre o batente da porta

que fica olhando pra ela e ela, às vezes, pra ele olha, procurando seus olhos,

mas nunca encontra, ele os esconde quando está do lado dela, no canto de cá.

Mas do canto dele ele não tira os olhos dela e ela não sabe, nunca viu...

 

Nesses dois cantos, as coisas se confundem. 

Ela nunca sei se vai pro canto de lá, ou se fica no canto de cá.

Não sabe se pode ocupar o seu canto,

se isso fizer preciso primeiro expulsar ele

para que ele pare de reclamar:

ISTO NÃO ESTÁ CERTO!

ESSA COISA

DE ME CONVIDAR PRA UM CAFÉ.

 

E pergunta:

- E O QUE ISTO SIGNIFICA?

E quando ela diz ele repete:

- PRA MIM NÃO SIGNIFICA NADA.

NÃO TEM ESSA COISA

DE ESTAR JUNTO.

EU AMO OUTRA .

E COM ELA É MINHA VIDA.

VOCÊ? É SÓ MINHA APRENDIZ

POR ISSO, ISTO, NÃO ESTÁ CERTO.

POR ISSO, EU NUNCA QUIS

A OUTRA QUE AMO APRENDIZAR.

 

E esse homem ainda tem o despautério de revelar em praça pública

Mariazinha também ouviu, que fica correndo atrás de princesas,

mulheres maravilhosas, mas destituídas de de qualquer tipo de carrear.

Dessas que vivem penduradas no espelho de ouro dos falidos.

Aquelas que são até fronhas de reis, bem vazias.

Não sabem nem alimentar um passarinho,

dar pontilhas de alpiste pros canarinhos.

Essas tais. Nem carinho, como Mariazinha sabem dar.

 

Eu me espanto, ele trocaR ela por essas mulheres entupidas de cremes,

que vivem como cobertores de princípes falidos, rainhas pomposas até,

mas não conhecem as necessidades, desejos e vontades de um pássaro real

que para cantar, precisa diariamente se alimentar...

 

Mariazinha não sabe cozinhar, mas faz poções,

chás, costura mantras, tece pinturas,

faz arte com Bastião ele de lá, ela de cá,

num mesmo rodopiar...

Ela ama esse tal de Bastião.

 

Que posso fazer?

Deixar?

Mandar ela andar pra longe dele?

 

Ela diz: pra longe

eu não vou não.

Quero é chegar mais perto.

 

Mas ela me disse, que primeiro ele tem de saber

que ela não é mais aprendiz,

é que ela ela sonha - a coitada -

que as coisas vão mudar.

 

Mudar, não mudam não. 

Bastião já está engavetado com outra mulher

uma tal artista, professora de artes

Me falaram no jornal que o romance inaugurou hoje

Amor de pleno, é o que ela diz

afagos, beijos, essas coisas

que o Bastião nega pra Mariazinha

e distribui aos quilos pra essa Mari.

 

Mariazinha descobriu: chorou, chorou

Mas depois se reergueu e decidiu.

Me contou que amanhã vai dizer para o Bastião:

vai embora, está demitido, chega de me trair.

Agora só quero o Bastião que me ama,

não o que me diz o que tenho de fazer!

E ele que aceite, senão Mariazinha

pega a mala e vai morar lá na Espanha, com o Arturo.

Esse sim, a chama de minha querida.

Olha pra ela, a vê, elogia, é carinhoso.

Faz fotos e cola na parede pra ela olhar, opinar...

depois pintar e fazer poesia de amar

É completamente agradecido pelo que ela lhe diz.

Não foge dela como o diabo da cruz como faz o Bastião,

o homem que, inocente, ela ama de verdade.

 

Pois é... E é assim gente.

Esse cara,

esse tal de Bastião

é uma loucura.

 

Mariazinha me diz:

- Bastião, ele só reclama de minhas ânsias,

me empurra pra longe, corre de lá para cá,

abre e fecha portas, muda de roupa,

carrega uma sacola mata formiga

e me coloca dentro dela pra me carregar por aí,

ou um alforge onde me guarda

quando ainda sou pequena

e não quer me carregar em suas mãos.

 

Ela nem precisa me dizer, eu sei:

Diz que lhe mandam andar,

mas é ele que expulsa a Mariazinha de perto de si...

manda nela que nem o mandrião quer mandar no país.

É o caos no nosso espaço.

 

E ela continua, a pobre:

- Por isso eu fico lá, quietinha,

enviando mensagens pra ele decifrar,

tudo em código, só para ele entender,

pra ver se me ouve, se me sente ali, se me percebe.

Escrevo, escrevo, não canso de escrever.

Escrevo de tudo que jeito, chego até matemática usar.

Dou aulas sobre plantas, paisagens, céus...

ele ainda o conhecimento não absorveu, apreendeu,

porque só sai do canto dele para pela porta passar e andar.

Só Deus sabe pra onde ele anda.

Eu até já perguntei para a vizinha da frente,

mas ela também não sabe.

O vizinho do lado já me procurou

perguntando a mesma coisa

e como eu estava triste sozinha,

sentou no lugar dele - que é meu -

e comigo lá ficou.

 

Esse tal de Bastião não é mais.

Demiti. Segunda eu conto pra ele.

Não quero mais saber.

Quero o meu canto de volta,

a casa arrumada, os livros no lugar,

porque se é pra passar os dias lavando xícaras

e nem um beijo receber, um carinho, um abraço?

Pra que eu vou morar lá?

Se é pra longe ficar, fico aqui...

Aqui não tem uma parede,

uma muralha que ele ergue assim

que entro pela porta entre nós.

 

Então meu povo, a história verdadeira é assim.

Não preciso mais de quem me diga o que fazer,

preciso de carinho, abraço, de só amor.

- Eu já me formei, já sou até doutora,

como é que ele não percebeu

que não preciso mais que mandem em mim?

 

Eu preciso não de quem mande em mim,

que diga que fazer, fique orientando o que devo escrever

A gente pode escrever e assinar junto

afinal é meu amor, amor da minha vida

mas acho que ele esqueceu

vou ter de, hoje ainda, lembrar

 

Preciso urgente para ele dizer:

preciso do homem que se esconde atrás dele,

do seu amor, seu abraço que ele me nega dar,

foge, de seu beijo que ele nunca me deu

- só eu já arrisquei e dois beijos nele lasquei,

um orelha, outro no ombro,

meros selinhos, que ele nem sentiu, não viu...

 

Mas eu amo esse tal de Bastião. Sem ele não consigo viver.

Eu até disse, em um choro desesperado, pedindo-lhe ajuda

- uma ou duas semanas antes de o reconhecer - que só tinha ele.

Só com ele podia contar. Será que ele percebeu

que com isso estava dizendo que sabia que podia nele confiar?

Será que ele viu, naquele dia, que eu frágil, com medo,

sem nem saber o que fazer, a primeira pessoa que me surgiu procurar foi ele?

Que em silêncio me ouviu, olhava minhas lágrimas,

zelava que eu não morresse de chorar,

me aconselhou, pacientemente,

e até veio me abraçar do outro lado da mesa...

 

Eu até tentei recostar no seu ombro e chorar ali,

mas isso ele não permitiu, se afastou, o Bastião,

o homem que Mariazinha a tantos e tantos anos atrás

- bodas de... nem sei mais... - escolheu pra sempre amar... adorar...

 

Mulher apaixonada essa Mariazinha.

Quando ela me conta eu até quero chorar.

Como pode amar tanto alguém como ela ama?

E ele nem ligar... e ainda dizer para os outros,

que é ela a teimosa, que só o manda andar...

que ele quer falar ela grita: ande, não pare! Até suar.

 

Eu não sei nem o que dizer.

Se falo pra ela deixar dele, ir embora de vez.

Se digo pra ter paciência que as coisas vão mudar.

Ou se a pego no colo e levo pra casa pra dela cuidar e amar

como ela ama o Bastião, esse danado de homem,

que não arreda de gritar:

ISTO NÃO ESTÁ CERTO!

 

Ele nem sabe o que diz.

Não sabe o que é ISTO, nem compreende

o que ela quis falar com NADA.

Estava usando uma metáfora

para dizer que para ela amar é não se deixar afogar,

é lutar com todas as forças para o amor,

o seu e o dele, para toda eternidade alcançar.

 

Isso que contei pra vocês é a mais pura verdade

agora torço pros dois se encontrarem urgente

e resolverem juntos pra que lado vão

se para o lado da lei que diz que isto de amar não tá certo

ou de convidar pra um café

ou se decidem viver como adultos maduros

luzes que se amam e um sem o outro não sabe viver.

 


Espero que tanto Mariazinha como o Bastião

consigam encontrar um caminho de paz

para o seu amor viver

que seja num sótão ou debaixo de uma ponte

num banco da praça na Itália ou no Canadá

no Japão ou na China, sei lá

importante é que eles se amem

como eu sei que sentem amor

e que vivam seu sonho lindo

de juntos caminharem

mãos dadas, amor apaixonado

para toda eternidade de luz. 

 

Mariazinha diz todo dia para o Bastião: eu te amo Bastião

Ele, afoito, logo responde: eu também te amo Mariazinha

Agora só falta o enlace final

a festa dos dois numa choupana

no alto de uma montanha 

lá no Norte, onde mora a familia do Bastião

ou no Sul, de onde vem Mariazinha

a mulher que ama um tal de Bastião.