DOR FANTASMA

Em uma noite estrelada, um homem grita:

"Isso queima"

Seu cérebro o membro perdido não mais capacita

É uma memória, foi perdido todo um esquema

De ossos, de veias, de articulações, de musculatura

Foi perdida parte da armadura

E nas longas e desconfortáveis horas, o homem diz que se move o membro que se foi

Ele olha pro céu estrelado, respira fundo e se recompõe

Abre e fecha a prótese da mão, tentando se acostumar à substituta

Observa como os mecanismos são importantes nessa sua luta

Na superação da perda e na resistência em acreditar - tenaz -

Que - por mais que sinta - seu membro não se move mais

Sua prótese é forte e brilhante, engenharia de primeira, bênção do avanço tecnológico

Ele alcança com dificuldade uma rosa vermelha, fecha os novos dedos para pegar seus espinhos

Puxa de volta, observa analítico os detalhes da flor, sobe e desce o braço robótico

Estica novamente a mão para pegar sua taça de vinho

Desacostumado, ele quebra a taça entre os dedos e faz uma bagunça no chão

Ele coça a cabeça com a mão de carne e osso, limpando com ela a confusão

"Amanhã eu treino mais, agora vou para cama"

O membro perdido coça e queima como se tivesse encostado numa urtiga

Ele coça a prótese, esquecido, e deita na cama, amanhã terá muita tarefa temprana

"Vou tentar cozinhar, varrer, escrever, seguirei normalmente a minha vida"

Depois de um tempo pensativo, desliga a última luz da casa

Ele se conforma em ter perdido a mão dominante enfim, e dorme adormecendo junto a dor fantasma

Natalia L A
Enviado por Natalia L A em 03/10/2022
Código do texto: T7619453
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