A ALMA LIVRE
Em algum lugar, posto que desponta a faixa de luz clareando o horizonte ideal, aqui apenas revela as duras paredes de fuligem e névoa. O pouco calor que consegue chegar a mim singelamente me esquenta, fazendo evaporar as poucas gotas de orvalho que restavam presas aos meu fios de cabelo. Nasce o mesmo dia de ontem, rotulado agora como hoje, renovando com pouco fulgor meus instintos de sobrevivência.
Ah, o frescor virginal da manhã e a ilusão, doce e fétida, de liberdade, de alma livre!
Dói-me a dignidade, mas gosto dessa sensação.
Liberto-me dos nós das correntes que prendem os pulsos e os tornozelos,
Amarrados por mim, para que não fosse carregado por meus sonhos opulentos e medíocres;
Alivio o peso, como se isso fosse me fazer ir além – Para onde?
Enfim, inspiro o sabor mentolado da manhã, que refresca a garganta, mas faz arder os olhos.
Doce e fétida ilusão que me inspira!
A garganta renovada me garante os gritos abafados, sabor menta, de liberdade!
Brado, como de costume, por socorro, assim como tantos outros o fazem ao meu redor.
Em retribuição, escuto parabenizações pelo bom hálito – Grito, mas não enxergo, afinal, o ardor me oprime para que não os abra.
Mantenho-me escravo de mim mesmo e daqueles que mantêm a névoa mentolada ao meu redor; das opiniões alheias e das minhas próprias, que criam a ideia sobre a opinião alheia.
Contento-me.
Não, não posso.
Culpo-me pela autopiedade e me autoflagelo.
O fantasma da meritocracia brada-me palavras de ordem:
Faça você, não espere de ninguém!
- Seu mérito! Seu Mérito! SEU MÉRITO!
Não preciso de ninguém, posso tudo, este é meu propósito.
Deito-me num pedaço duro de existência e durmo,
com a garganta ardendo e as solas dos pés doloridas.
Amanhã será um novo hoje. De liberdade, espero.