Carta à vida

Ela começa bem devagar

e passo por passo se anima.

Do início a gente nem lembra,

neste mundo não há quem entenda,

só é certo que um dia se finda.

A você eu dedico essa carta,

pois você é quem sempre me ensina,

mesmo sendo tão fria e calada,

tão distante e até desgraçada,

quero ter-te por muito ainda.

Me fizeste chorar um bocado

e a ti eu até odiei,

mas então tu virou-me do avesso,

me mostrou que tu tens esse preço

e o quanto eu ainda não sei.

Lembro quando fui iniciado,

sem querer, nesta tua arte,

mostrou que não há regras no jogo

e jogou-me no fundo do poço,

me quebrando, parte por parte.

Não me deste nem mesmo uma corda

ou do teu tabuleiro, instrução.

Só ficou me olhando de longe,

esperando que eu fosse forte

e me erguesse sozinho do chão.

Você nunca me prometeu

coroa, carinho, alegria.

Mas de vez em quando mudava,

aos meus pés, o mundo deixava

e sempre me surpreendia.

Eu confesso que as vezes senti,

bem no fundo, uma imensa vontade

de acabar com você num instante,

de não ter o depois ou o antes,

e com o nada por fim encontrar-me.

Mas você sempre foi bem mais sábia,

me mostrou o teu bem e teu mal,

e que se fecha ou abre uma porta,

é o meu movimento o que importa

e o que determina o final.