POEIRA NO CANTO DA SALA*
Projetei-me nesses cantos de sala,
feito pó de lembranças que eu lembrava
Pó que se agarra e não sai, você limpa, varre, esfrega mas ele insiste em ficar
Particulado etéreo a te desafiar no canto da parede
Onde no quintal eu poderia plantar, talvez pra ver uma flor se abrindo
Procuro minha cara misturada nos grãos de poeira do chão
No aspecto que deixou cada particula de mim que caiu em grãos
Sem brotar e sem nascer
Procuro sentir na noite, na alma, o tremor que se instala
Enquanto penso que a vida não passa de poeira acumulada pelo chão da sala
Sei que este projeto de ausência que se instala não é mais organizado
Desapareço em partículas
E quanto mais me vejo, menos sei de mim, e mais dos meus pedaços ao vento
Espalhado sobre caminhos que sustentavam meu ser até agora
Empoeirado
Partido
Me acabo
Da luz que restava só escorre a cera morna e fingida
Vida imposta
Vida impostora feita pra burlar a realidade e me enganar
No entanto até o final da vela, ainda tem muito chão pra andar
E haja poeira
Pensamento que permeia
A partir de agora me declaro um ser sem rastros
Esta parte empoeirada da memória se prende ao pó e me forma em desprendidos lastros
Jogo fora assim mesmo, antes que alcance o mar ou o cadafalso
Antes que a sombra se vá arrastada pelo singrar das ondas
em verdadeiro descaso
Eu fui
E tudo que reside na poeira
É como se fosse a luz de uma vela
Apagada e trêmula
E é do tamanho da sala impregnada em fracassos
E é tão retirada em solidão que ao pisar a sola neste chão
Nem o pó mais se levanta
Permanece o que já foi
Só poeira e mais nada além de mim
14/06/2022
19:21hrs