RESQUICIO DE VIDA
No plano concreto da vida
Fica um resquício
Teus passos
Tudo em aspersão
Tudo se espalha em poeira
O ar que respiras não é teu
Pegas emprestado
Usurpas
Extorques
Profanas
Depois
(como bagaço sugado)
Devolves
Com átomos do teu corpo
Tua faringe
Laringe
Teus pulmões exatos
Spray esbaforado e escarrado
Lanças fora de ti pedaços eviscerados
E pedaços de vida se vão pelos ares
Teus rastros
Não teus
Não são
Nem existem, nunca
Até os deixares pra trás em resquícios de passos
Teu corpo derrete ao chão e nem percebes que nesta fluidez se perdes aos cacos
Os átomos personais lançados em propulsão no espaço
Como se sentes?
Não sabes que és nada?
Nada mais do que fonte de restos a jorrar pro nada?
Sem pegar de volta coisa nenhuma
E nem sentes faltas...
Um ser nada encontra-se com o nada ser
"Bom-dia!"
Só um eco responde
Nada não fala, não responde
Até a palavra que proferes são resquícios que soltam de ti
Agora é que vem a mágica
Estas sim podes reter, prender, gravar e até lançar
Mas o resto de ti não
O resto
É o que estás sempre perdendo
Conjunto vazio
Zero absoluto
No entanto estás aí
No espelho
Teu reflexo é resquício
A mão que levas ao rosto já sumiu faz tempo
O amor que tanto anseias é resquício
Teu emprego
Resquício que vendes ao teu chefe em horas por dinheiro
Dinheiro é sangue impresso
A vida transformada em cifras
Resquício valioso
Não o prendes
Só dispensa o teu resquicio
Esse escambo ardiloso
No vazio da existência de restos
Te iludes
Te iludem
Iludes aos outros
Com o tênue resto de quem és
Um resto em meio ao resto
Um nada perdido clamando em outros resquícios
Te vestes de si
Tentando esconder o que restou
Dos resquícios ninguém sabe
Não te preocupes em disfarçar
Ou será que sabem?
E por medo ninguém fala
Teu rosto no espelho é lembrança do resquício que tu eras
Ninguém toca no assunto
Segredo... ou não...
O que vês não é mais nada a haver
Não importa
Do resquício é que se tem medo
De viver, não
Teu rosto se perdeu faz tempo
Quem é você então?
Segredo, segredo, segredo
Por que ninguém fala?
Medo de perder as palavras já rotas e não sobrar nenhuma mais?
O homem feito de restos
Uma embalagem
O homem-rótulo
O homem propaganda daquilo que não é
Nem enganosa é
Falsa, pseudo-vida de entulhos
Respira resquícios de outros homens fluídos
Esvaídos
Desvanecidos feito fumaça que não deixa resquícios
Só desaparece
Aos átomos desaparece
Onde parece que não tem nada
Não tem nada mesmo
Só restos
Olha pra trás e não vê nada
Uma vida toda de nada
Espaço vazio à margem
A margem inexiste
A margem limita
A margem imponente divide o nada do resquício
Resquício de nada
Nada de resquícios
Como?
Paradoxo
Paradigma
Tudo existe em uma dimensão sobreposta
E existindo não existe
Inexistindo existe
Chega
Acaba
Mas não
Nada se perde nem se cria
Transformação
De resquício em resquicio
O ciclo se expande e se torna em restos novamente
A tua sombra
Tua sombra não é resquício
Enquanto houver luz ela é de fato o que possuis
A não ser que entres em escuridão
Eclipsado se perdes de tua única possessão
Asperge teu riso
Tua vida em espirros
Espalha teu ser em partículas
Querendo ou não fazes parte do processo
Sabendo ou não também
Não queiras forçar uma vida egoísta
Retida
Represada
Limitada
Pois resquícios vem e vão
Tu vais com eles
Eles se aderem em ti
Você é eles, eles são você
Ou não?
Talvez sim
O certo, o incerto é incentivo
O resto não
Espalha teu ser em resquícios e esquece o resto
O resto não pertence a você
Nem os resquícios
10/06/2022
08:54hrs